Semanas que parecem décadas

Já Lenine dizia: «Há décadas em que nada acontece; e há semanas em que acontecem décadas». Parece que vivemos um desses períodos. As declarações dos decisores sinalizam mudanças de política externa. Proponho-lhe uma viagem com três paragens noticiosas da última semana. Primeira estação: Londres. «Ainda nem uma semana passou desde que foi acionado o artigo…

Já Lenine dizia: «Há décadas em que nada acontece; e há semanas em que acontecem décadas». Parece que vivemos um desses períodos. As declarações dos decisores sinalizam mudanças de política externa. Proponho-lhe uma viagem com três paragens noticiosas da última semana.

Primeira estação: Londres. «Ainda nem uma semana passou desde que foi acionado o artigo 50 [saída da UE] e já há conservadores a discutir guerras com parceiros europeus». O líder dos LibDems, Tim Farron, comentou assim as palavras do ex-líder dos conservadores, Michael Howard, que considerou Gibraltar o equivalente contemporâneo das Falklands: trata-se de «defender a liberdade de outro pequeno grupo de britânico contra outro país de expressão espanhola». Madrid espreguiçou as suas velhas ambições territoriais exigindo o direito de ser consultada sobre o estatuto de Gibraltar na negociação do Brexit. Theresa May pôs água na fervura mas o tom de muita gente mostrou desorientação do outro lado da Mancha. É que para além de Gibraltar (tema para consumo interno nas opiniões públicas dos dois lados), o governo de Mariano Rajoy deu uma pirueta diplomática na questão escocesa. Londres sempre confiou no veto espanhol à entrada da Escócia na UE – sobretudo porque Madrid tem as suas próprias dores separatistas. Isso mudou quando Espanha abriu os braços à adesão da Escócia ao clube europeu, ferindo muito mais do que a capacidade negocial britânica em Bruxelas.

Poder, território e nação: a velha política está de regresso à Europa.

Segunda estação: Moscovo. «Perdoar aos terroristas depende de Deus mas manda-los até Ele depende de mim». É um falso tweet atribuído a Vladimir Putin na ressaca dos ataques de Paris em 2015. Poucos desconfiaram que não fosse ele o autor da frase – e não era. Mas agora voltou a ser tempo para endurecer a mensagem. A Rússia está debaixo de fogo terrorista – a 24 de março seis soldados russos morrem na Chechénia numa operação montada por radicais islâmicos; a 3 de abril 14 civis morrem num atentado no metro em São Petersburgo. Com a economia em estagnação, com manifestações de oposicionistas nas ruas e algumas províncias a ferro e fogo, a exposição da fragilidade dos sistemas de segurança era tudo o que Putin dispensava na corrida para a reeleição. A mensagem dos seus acólitos de extrema-direita na Europa também ficou debilitada: é que se o terrorismo até pode reforçar a adoção de valores iliberais, é falso que os regimes fortaleza estejam blindados contra o terrorismo.  

Terceira estação: Washington. Chamavam-lhe isolacionista. Mas não há rotulo que lhe sirva. Acossado por insucessos domésticos, Donald Trump entrou com estrondo nos temas quentes da ordem de segurança internacional. Sobre a Coreia do Norte, antes de mais um ensaio de um míssil balístico de Pyongyang, Trump instou Pequim a deixar a zona de conforto: «bem, se a China não resolver o assunto, nós revolvemos». Deixando todas as opções em aberto, incluindo a ação militar, a Casa Branca foi particularmente vocal no teste aos limites do poder. Isto na véspera de receber Xi Jinping para um dos mais importantes encontros das últimas décadas entre os dois blocos – com o comércio internacional a suster a respiração.

A loucura de Bashar al-Assad na Síria, com novo recurso a armas químicas, parece ter despertado o presidente americano para um problema que até aqui estava longe de ser prioritário. «Quando se gaseiam crianças inocentes, bebés, bebés pequenos com um gás tão letal (…) isso é cruzar muitas, muitas linhas», disse Trump. «A minha atitude face à Síria e a Assad mudou muito». E por inerência mudou face à Rússia. Aceitam-se apostas sobre o fim da lua-de-mel com Putin.