Futepolítica: a cartilha e a forquilha de Benfica e Porto

Nós já aqui escrevemos no SOL que hoje o futebol não se limita a um jogo entre onze jogadores de cada lado, a tentar colocar o esférico nas redes da baliza adversária – o futebol é hoje essencialmente um centro de poder

1.Nós já aqui escrevemos no SOL que hoje o futebol não se limita a um jogo entre onze jogadores de cada lado, a tentar colocar o esférico nas redes da baliza adversária – o futebol é hoje essencialmente um centro de poder.

2.Ou, mais rigorosamente, de poderes – cada qual tentando afirmar-se num determinado momento histórico. É possível um clube somar vitórias sucessivas sem dominar o centro de poder do futebol português?

É possível: mas tal vitória será transitória ou acidental. Para além de muito improvável. Se efectuarmos aqui e agora um pequeno exercício de memória, concluiremos que, nas últimas décadas, no futebol português, apenas em dois casos o clube que não dominava o centro de poder do futebol se tornou campeão nacional: em 2001, com o Boavista e, em 2004, com o Benfica.

De resto, houve sempre uma coincidência quase absoluta entre campeão do centro de poder – e campeão nacional no “jogo jogado”, ou seja, de pontos somados nas quatro linhas.

3.Donde, a nova polémica suscitada – e à qual foram dedicadas longas horas de discussão nas televisões nacionais – sobre a pseudo “cartilha” que o Benfica disponibiliza aos seus comentadores nos vários programas televisivos é ridícula (para não dizer patética).

Evidentemente, todos – repetimos todos – os clubes grandes falam directamente com os seus comentadores, tentando passar a mensagem que mais lhe for conveniente. Mesmo Miguel Guedes  – que é honesto e muito sério na sua argumentação – é considerado frequentemente o “Dragão do Ano” pela estrutura do Futebol Clube do Porto – o que evidencia que há uma grande proximidade entre os comentadores e a estrutura dirigente.

4.Já para não falar de Rui Oliveira e Costa que tentou dar uma lição de moralidade e ética no domingo, atacando o Benfica e os seus comentadores, quase que pedindo à RTP que no dia em que recebesse uma tal “cartilha” o despedisse imediatamente – sucede, porém, que no dia seguinte, soube-se que Oliveira e Costa recebeu igualmente uma mensagem do Presidente Bruno de Carvalho, com informações sobre vários tópicos que seriam discutidos no seu programa. Já para não falar do caso pitoresco de Dias Ferreira…

5.Ou seja, neste caso da “cartilha” (que é absolutamente irrelevante) não há virgens ofendidas- quanto muito haverá “virgens fingidas”.

6.Por outro lado, é estranho verificar que as televisões se indignam muito com o facto de os clubes enviarem directrizes de comentário aos seus representantes nos debates televisivos – mas não se indignam nada com a absoluta falta de independência dos comentadores de política que convidam.

 As mesmas televisões que se indignam com o futebol – são exactamente as mesmas que convidam sempre os mesmos, sempre os representantes da “cartilha” inamovível e mais rígida que a estátua do Marquês de Pombal do centro de Lisboa dos partidos políticos  para comentar os assuntos da actualidade política.

Toda a gente sabe que estes comentadores articulam o seu discurso com os partidos políticos, com a direcção do grupo parlamentar e…fiquemo-nos por aqui.

7.Ora, julgávamos nós que a política, apesar de tudo, é mais relevante que o futebol.

Parece, no entanto, que não: e verdadeiramente grave é a cartilha do Sport Lisboa e Benfica. Entendamo-nos: toda a gente sabia que havia uma informação mínima proveniente das estruturas dos vários clubes – tal como há dos partidos políticos em relação aos seus comentadores televisivos.

Ou alguém acredita que Fernando Medina não articula com António Costa o que vai dizer às segundas-feiras na TVI 24? Claro que sim! O que Medina diz é o que António Costa já disse – ou vai dizer! Alguém dedica inúmeras horas de debate televisivo a problematizar sobre a falta de independência de Fernando Medina? Ninguém…

8.Aqui chegamos a uma outra conclusão: o debate sobre futebol segue os mesmos moldes que o debate televisivo sobre política. O que se explica muito facilmente evocando a crescente profissionalização do debate futebolístico na TV – actualmente os clubes encaram os debates na televisão como peças centrais (senão mesmo as principais) da sua política de comunicação e conquista de poder.

Conquistar o espaço mediático é essencial para conquistar o poder de facto dentro das estruturas da Liga. Fenómenos como o da “cartilha” vão ocorrer muitas vezes – o debate sobre futebol não é mais uma mera conversa entre amigos. É um debate profissional em que se joga o destino do jogo. Do jogo de cada clube.

9.Uma última nota para dizer que se compreende a inquietação quer da estrutura do Benfica, quer da estrutura do Porto. Porquê? Porque podemos estar a viver o fim de um ciclo de liderança do futebol português. A sul ou a norte, consoante a classificação final do campeonato.

10.De facto, se o Benfica se tornar campeão, a liderança de Pinto da Costa será desafiada definitivamente, ficando a actual direcção sem margem de manobra – a somar aos problemas financeiras, o Porto ter-se-ia de confrontar com um ciclo de falta de êxitos desportivos.

Ninguém no Futebol Clube do Porto, após os investimentos feitos, perdoará a Pinto da Costa mais um ano sem vitórias.

11.Pelo contrário, se o Benfica perder o campeonato para o Futebol Clube do Porto, face às expectativas geradas, será uma hecatombe de efeitos difíceis de calcular. A pressão aumentará para o próximo ano – e tudo dependerá de como Luís Filipe Vieira reagir a essa nova circunstância…

Para consolidar o seu poder, Luís Filipe Vieira precisa de ganhar o campeonato este ano. É essencial, até porque Rui Vitória já renovou o seu contrato com o Benfica e precisa de força e capital de confiança para o seu novo ciclo no Glorioso.

12.Enfim, mais do que a cartilha, o que está verdadeiramente em causa é o medo da forquilha (fatal?), que será a derrota no campeonato nacional da presente época…

joaolemosesteves@gmail.com