Portas da Perceção: Todas as gerações as quiseram abrir

Seja em que geração for, a atração pelas substâncias psicoativas é comum numa sociedade composta por seres naturalmente curiosos que buscam o autoconhecimento, experiências novas, que querem viver intensamente. O i foi conhecer as experiências de quem experimentou ou consome drogas

“Se as portas da perceção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”: esta foi a frase de William Blake que inspirou o título do livro de Aldous Huxley lançado em 1954: “The Doors of Perception” ou, em português, “As Portas da Perceção”. Nele, o escritor polémico descreve de forma detalhada as suas alucinações, fazendo questão de escandalizar o mundo com as suas experiências psicadélicas com a mescalina. Mais tarde, em 1965, o mítico Jim Morrison lê o livro e, inspirado pela genialidade de Huxley, dá o nome à sua banda recém-formada, “The Doors”, que ficaria eternizada pelo carisma de Morrison e pelo rock psicadélico. Joana, hoje com 67 anos, natural do Porto, descreve a época como a da “abertura de canais”. Segundo Joana, “os anos 70 foram anos lindos, éramos tão livres. Depende das ondas com que te moves, nem todos tomavam mas observavam os que tomavam, era uma onda de paz e construção de amor. Quando dizíamos ‘make love, not war’, era sobre construir amor e não sobre fazer amor. A droga não nos dá mais que aquilo que a gente tem, só potencia o que já somos”. E são várias as pessoas das várias gerações que se identificam com este tipo de maré.

O consumo em números

Segundo o “Relatório Europeu sobre Drogas 2016”, cerca de 1% dos adultos europeus consomem canábis diariamente ou quase diariamente, e o seu consumo tende a aumentar, sendo atualmente “responsável pela maior quota, em termos de valor, do mercado europeu de drogas ilícitas”. Os números indicam que 16,6 milhões de jovens europeus consumiram canábis no último ano; seguem-se a heroína, que reapareceu, e a cocaína, que foi consumida por 2,4 milhões de jovens europeus no último ano. Em 2015 foram notificadas pela primeira vez 98 novas substâncias e 101 em 2014. Em 2016, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência alertava para “o contínuo aparecimento de novas drogas, a mudança de padrões de consumo, o aumento de morte por overdose em alguns países e as ameaças colocadas pelos mercados de droga na internet”.

O i foi conhecer algumas das experiências de portugueses com o uso de substâncias psicoativas.

Geração X
Alverga, 55 anos

“Tinha 20 anos quando experimentei haxixe. Fui para Lisboa e era tudo um mundo de novidades. Tínhamos acabado de sair de uma revolução que nos abriu a porta a uma corrente de liberdades. Não havia maldade, não havia medos, era impulsivo, nós tínhamos de fazer essas coisas. Depois experimentei cocaína, heroína – de que não gostei, detestei, e foi a minha sorte. A cocaína era a droga da época, era ela que impulsionava todos os nossos momentos, ela dava-nos génio. Ao contrário da heroína, que nos emburra, a cocaína fazia-nos pessoas muito capacitadas. É talvez a droga mais perfeita. Também havia o LSD e os ácidos, que realmente nos permitiam ver o mundo com uma dimensão e uma forma inacreditável.”

BabyBoomer
Joana, 67 anos

“Estávamos antes do 25 do Abril, anos 70, tinha 19 anos e experimentei haxixe e erva, o provável. Era super tabu, mas havia mais liberdade, era mais uniforme. Era uma onda de paz. Era uma energia óptima, fantástica, criativa. Heroína não muito obrigada, coca sim, arruma tudo, mas pouco, sempre fui mais da erva e do haxixe. Os pais não faziam ideia, era óptimo. Eu ia para o Natal em ácidos, observar as pessoas, absorver as pessoas. Sempre adorei ácidos, para mim é a melhor droga que há. Para mim droga também pode ser o açúcar, que se usa e abusa e faz mal e também causa dependência”. 

Geração Y
Telmo, 28 anos

“Não bebo, não fumo, e as drogas a que recorro com mais regularidade são uppers como o ecstasy, a cocaína e o MDAo. Tomar este tipo de drogas faz com que sintas uma estranha conexão com os outros e com a música que não se consegue de outra forma. Para quem gosta de música eletrónica, não há como não gostar destas drogas. A origem de estilos como o house e o techno e o aparecimento de drogas como o ecstasy acontecem mais ao menos ao mesmo tempo e é impossível negar as suas influências. Quanto à cocaína, utilizo mais quando trabalho. Como DJ é difícil trabalhar com drogas tão mentais como ecstasy e MD. A viagem que te dão na cabeça é demasiado grande e torna-se impossível fazeres um bom trabalho. Neste contexto, cocaína é mais interessante.”

Geração Y
Mário Duarte, 24 anos

“A única droga que costumo consumir além de álcool, café e tabaco, é canábis. Consumo canábis essencialmente porque gosto do mood em que fico depois de fumar um ‘paiva’. Há uma sensação de bem-estar e de tranquilidade que me permite durante algumas horas sair do stress do dia-a-dia. O que mais me agrada é o facto de quando estou sobre o efeito de canábis ter uma perspetiva diferente de certos problemas e do mundo à minha volta. É uma droga que ajuda à reflexão. Apenas em situações, digamos, especiais consumo outro tipo de drogas, como ectasy e MDMA”.

Geração Y
André, 26 anos

“Fumo haxixe/erva todos os dias para ajudar a relaxar. Fazer um charro é quase um ritual em que me sento e faço com calma – depois fumo a ouvir música ou a ver um filme. Vou fumando enquanto toco guitarra, é uma coisa que me dá prazer, ao contrário de, por exemplo, fumar cigarros. De resto, bebo álcool quando vou sair à noite. Só de vez em quando, exagero um bocadito, not gonna lie, mas também só bebo de duas em duas semanas. Além disso, de vez em quando mando MD, a minha preferida, em ocasiões especiais. Também já experimentei outras cenas como cogumelos, LSD, coca, speed. Há coisas que nunca vou usar, tipo heroína.”

Geração Y
Alexandre, 28 anos

“Consumo erva quase diariamente já há algum tempo. Ajuda-me a desviar a cabeça das oito horas que passo em frente a um computador. Ajuda-me a dormir, ajuda-me muito a dormir (nos períodos em que faço pausas, coisa que estou a fazer neste momento, nos primeiros dias só durmo 4/5 horas por noite). E sendo em “doses” controladas, ajuda-me com a minha ansiedade. Quando estou com os meus amigos é lindo, ao fim de tanto tempo, continua a ser lindo. De vez em quando, em festas de música eletrónica, consumo MD, não mais do que 3/4 vezes por ano e nunca misturo com álcool. Liberta-me”.

Geração X
Catarina, 37 anos

“O que mais me impressionou foram os psicadélicos. Costumo dizer que existe o antes dos psicadélicos e o depois. Muda-te radicalmente a visão das coisas e o mundo muda para sempre. As substâncias psicadélicas podem ser perigosas. Há quem diga que te devolvem aquilo que tens em ti. Se o fazes por motivos errados, e de forma errada, a tua experiência pode ser muito negativa e perigosa, pode até despoletar doenças mentais que tinhas “adormecidas”. No meu caso, achei perfeita a experiência pela idade, fator que também considerei importante para não me “perder”. Já sabia quem era. Acho que tomar psicadélicos na adolescência deve ser complicado”.

Geração Y
Francisco, 32 anos

“Como será olhar para o sol sem saber porque brilha, ou que é uma estrela e a terra a orbita? E ver as ondas a erguerem-se e quebrarem na areia sem sabermos o que as impele?; ou porque sopra o vento?; ou porque se enchem de flores os campos na Primavera? Como herdeiros de uma educação científica, nada disto nos parece misterioso. As causas e consequências são-nos já óbvias. O cogumelo é um portal para a infância, não só para a própria mas para a de toda humanidade. É a dádiva de ver o mundo à luz da realidade. Mas cuidado, é que olhos habituados ao escuro podem ferir-se com luz intensa”.

Geração X
João Doe, 31 anos

“Sou analista de negócios e não conto com um padrão de consumo definido ou regular. Drogas como o MDMA ou cocaína são presença ocasional em festas, assim como outras substâncias psicadélicas em festivais. O seu consumo pesa, embora mais dispendioso, e acaba por se revelar menos disruptivo do que o do álcool, não havendo, até à data, acarretado uma dependência física ou psíquica. Acredito que um consumo recreativo, controlado, racional e informado permite uma gestão possível de uma vida minimamente saudável, pessoal e profissionalmente”.

Geração Y
Inês, 22 anos

“Consumo erva quase diariamente já há algum tempo. Ajuda-me a desviar a cabeça das oito horas que passo em frente a um computador. Ajuda-me a dormir, ajuda-me muito a dormir (nos períodos em que faço pausas, coisa que estou a fazer neste momento, nos primeiros dias só durmo 4/5 horas por noite). E sendo em “doses” controladas, ajuda-me com a minha ansiedade. Quando estou com os meus amigos é lindo, ao fim de tanto tempo, continua a ser lindo. De vez em quando, em festas de música eletrónica, consumo MD, não mais do que 3/4 vezes por ano e nunca misturo com álcool. Liberta-me”.