Por que ninguém sabe o que Trump vai fazer (II)

A ‘previsibilidade’ é um característica política da paz. A ‘imprevisibilidade’ é uma característica estratégica da guerra. Donald Trump, já o sabíamos, prefere a imprevisibilidade. 

Em menos de um mês, trocaram-se promessas de campanha por prioridades de governação, o inimigo virou aliado, o amigo vai virando rival, os críticos tornaram-se apoiantes e os apoiantes tornaram-se convenientemente mudos. 
O homem continua o mesmo ponto de interrogação. O mundo com medo da página que aí vem. 

Em novembro, este jornal entrevistou o lobyista que redigiu a proposta para a Defesa dos Estados Unidos da América e que aconselhou o candidato Trump antes das eleições. A conversa surpreendeu pelo contraste com os receios do Ocidente em torno da candidatura.

Richard Burt, que também esteve na shortlist para Secretário de Estado, negava qualquer hostilidade para com a NATO ou qualquer subserviência a Vladimir Putin. A aliança atlântica não era para descartar e Putin «compreenderia uma linguagem de força».  

Tendo em conta a veia populista do sr. Trump e a irregularidade do seu discurso, ignorar as clarificações do entrevistado, seu próximo, seria ingénuo.

Esta coluna de opinião assim seguiu. Em «Por que ninguém sabe o que Trump vai fazer», perguntou-se se o novo presidente deixaria o nacionalismo isolacionista da ‘alt-right’ contaminá-lo ou se «o Partido Republicano filtraria o delírio». 
Nas últimas semanas, a segunda hipótese prevaleceu. 

A guerra civil na Síria deixou de ser um não-assunto para ser alvo de 59 mísseis. A China deixou de ser uma manipuladora monetária «que rouba empregos» para ter um presidente «muito especial». A NATO «já não é obsoleta» e Moscovo passou a cúmplice de Bashar Al-Assad. 

Se a retórica de Trump colocava o mundo ao contrário, é a fantasia de Trump que está hoje virada do avesso. 

O envolvimento militar mais recente não é distante do até sugerido por Hillary Clinton, o que mostra que o tão demonizado establishment de Washington está a cumprir escrupulosamente o seu propósito: controlar a Casa Branca. 
Anne-Marie  Slaughter, que serviu a pasta diplomática de Obama e esteve na campanha de Clinton, admitiu que «finalmente se fez a coisa certa», visto que a ausência de intervenção na Síria havia «minado os EUA» e a ordem mundial nos últimos anos.

Pequim não desgostou, enviou tropas para a fronteira com a Coreia do Norte e absteve-se na resolução contra o regime de Assad que a Rússia vetou no Conselho de Segurança. 

Nada deu mais gozo ao sr. Trump que comentar casualmente com o sr. Xi que bombardearia uma base síria dentro de minutos enquanto partilhavam um bolo de chocolate – revelou-o o próprio.

Com sorte, o General McMaster (na Segurança Nacional) e o General Mattis (na Defesa) continuarão a moderar a pose empresarial de Donald Trump.  

A lei do mais forte tende a imperar na anarquia das relações internacionais, mas a diplomacia não é uma competição de métrica fálica: países não são propriedades, dignitários não são agentes imobiliários, reuniões com Chefes de Estado não são negociações de retalho. 

Ao contrário das quatro vezes em que declarou falência na sua vida de empresário, era saudável explicar ao sr. Trump que a arena internacional não costuma dar segundas oportunidades.