Lava Jato. Presidente da Odebrecht denuncia publicitário do PSD

Após mais de um ano preso, Marcelo Odebrecht parece não querer poupar ninguém e admitiu aos investigadores que publicitário do PSD era quem naquele país negociava as luvas a pedido do ex-presidente do Banco do Brasil.

O publicitário brasileiro responsável pelas últimas campanhas eleitorais de Passos Coelho – 2011 e 2015 – e que mantém uma avença do PSD é um dos principais visados nas declarações do presidente da Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato. Após mais de um ano de prisão, Marcelo Odebrecht decidiu colaborar com a justiça do Brasil e as suas revelações estão a sacudir aquele país – da política ao tecido empresarial. O publicitário André Gustavo Vieira da Silva é apontado como o intermediário do antigo presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine. Na prática, segundo as declarações de Marcelo Odebrecht, o homem que tem como cliente o PSD atuava no Brasil como enviado de Bendine para negociação de luvas.

 

A primeira vez que pediu luvas à Construtora

O presidente da construtora Odebrecht – presente em Portugal desde que adquiriu a antiga Bento Pedroso – confessou à equipa de procuradores da Operação Lava Jato que, na primeira metade de 2014, a empreiteira pediu ao Banco do Brasil uma renegociação do prazo de uma dívida de 1,7 mil milhões de reais.

Segundo Marcelo Odebrecht, o processo, apesar de inicialmente estar a correr de uma forma normal, começou a ganhar contornos estranhos no segundo semestre do ano, quando o presidente do Banco do Brasil terá começado a pedir um pagamento de 1% do total da dívida – ou seja, 17 milhões de reais – para agilizar o processo de renegociação.

É nesta parte que surge o homem que, em Portugal, apenas trabalha com o PSD – conselheiro de marketing de Passos Coelho – e cujo nome já tinha sido referido na fase Acarajé da Operação Lava Jato, e no âmbito da qual foram solicitadas à Procuradoria-Geral da República de Portugal diligências sobre os seus rendimentos.

De acordo com a versão passada aos investigadores, a sugestão das contrapartidas ilegais foi feita exatamente por André Gustavo Vieira da Silva, enviado por Bendine, numa conversa com o ex-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando da Cunha Santos Reis – responsável que também aceitou colaborar com a justiça brasileira.

Ainda que nesse momento tenha sido possível ignorar a sugestão feita por André Gustavo, até porque os responsáveis da Odebrecht consideravam que a renegociação bancária tinha “embasamento técnico”, mais tarde, quando Bendine passou para a presidência da Petrobras, tiveram de ceder, pois os interesses da construtora da petrolífera estatal eram demasiado importantes.

 

Odebrecht cede às luvas pedidas por publicitário

Marcelo Odebrecht foi claro nas declarações aos procuradores sobre o que aconteceu no ano de 2015, com a chegada de Bendine à presidência da Petrobras.

“Aí, a coisa mudou de figura. Nessa altura, a gente já estava cheio de problemas, a Lava Jato já tinha começado. Ele (Bendine) voltou a cobrar via Fernando. Fernando me dizia, ‘agora o cara é presidente da Petrobras, pode criar vários problemas para você’. Uma coisa é saber a capacidade que ele tinha de perturbar a gente no Banco do Brasil, com um empréstimo que tinha embasamento técnico. A outra é na Petrobras.”

E foi aí que as luvas começaram a ser pagas, diz o homem forte da Odebrecht. “Estávamos cedendo ao achaque porque ele era presidente da Petrobras. Autorizei os pagamentos, foi conduzido por Fernando. Na cabeça dele, era por conta do empréstimo (da Odebrecht Agroindustrial junto do Banco do Brasil), mas a gente estava cedendo pela posição atual dele”, garantiu Marcelo Odebrecht aos investigadores.

Mais uma vez, surge ao barulho o homem que ainda hoje mantém uma avença do PSD: “Autorizei os pagamentos. Disse a Fernando para administrar com o André os pagamentos, não dos 17 milhões de reais pedidos, mas ‘vamos pagando’. Parece que foram pagos 3 milhões. Dos três pagamentos (de 1 milhão de reais), dois aconteceram, inclusive, quando eu já estava preso.”

A imprensa brasileira avança que as tranches foram pagas a 17 de julho, 24 de junho e 1 de julho de 2015. Marcelo Odebrecht foi preso a 19 de junho.

 

PSD não comenta envolvimento de publicitário

Questionado ontem pelo i sobre as notícias que envolvem o publicitário André Gustavo no esquema de tráfico de influências e de alegadas luvas pagas pela Odebrecht, o secretário-geral do PSD, José Matos Rosa, disse não querer fazer qualquer comentário sobre o assunto: “Ele tem uma empresa que trabalha connosco. A partir daí, não conheço nem comento mais nada.”

A empresa é a Arcos Comunicação, que também já foi referida pela investigação da Polícia Federal brasileira: “Em consulta a fontes abertas, a Arcos Comunicação é mencionada por sua atuação, na pessoa de André Gustavo Vieira da Silva, em campanha eleitoral em Portugal.”

A Odebrecht é um dos gigantes da construção no Brasil e é considerada pela investigação como um dos vértices principais do maior escândalo de corrupção naquele país. É também por isso que as revelações do homem forte da empreiteira se revestem de tamanha importância – e Marcelo Odebrecht parece não querer poupar ninguém, tendo até já admitido que o dinheiro do setor das Operações Estruturadas (de onde saíam os pagamentos das luvas) serviu também para pagar sequestros e guerrilhas noutros países da América Latina onde a empresa estava presente e mesmo no Brasil.