Tem um problema? Marcelo já vai a caminho

1.Ficou célebre o anúncio publicitário de uma companhia de seguros que criou a figura da “Marta”: jovem bonita e simpática sempre disposta e solícita a resolver todos os problemas que os seus segurados pudessem ter. Rebenta um pneu? Ligue à Marta. Espelho partido? Ligue à Marta. 2.Desconhecemos se a figura da Marta ainda persiste ou…

1.Ficou célebre o anúncio publicitário de uma companhia de seguros que criou a figura da “Marta”: jovem bonita e simpática sempre disposta e solícita a resolver todos os problemas que os seus segurados pudessem ter. Rebenta um pneu? Ligue à Marta. Espelho partido? Ligue à Marta.

2.Desconhecemos se a figura da Marta ainda persiste ou se já foi, ela própria, vítima da crise. No entanto, esta figura já se tornou irrelevante no contexto político português actual: os cidadãos portugueses têm a sua “Marta” (salvo seja) institucional – o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

3.No fundo, a concepção que Marcelo tem revelado dos poderes presidenciais é muito próxima da função exercida pela “Marta” na companhia de seguros para a qual trabalhava – sempre que há um problema, Marcelo aparece.

Basta ligar ao Marcelo – e o Marcelo põe-se logo a caminho. Resolvem os problemas? Não. Contribuem para a resolução? No caso da Marta, é discutível – não temos conhecimento de causa para ditar uma sentença definitiva. Já quanto a Marcelo, a sua presença funciona muito bem em termos de serviço de relações públicas – politicamente, é que a resposta não é tão satisfatória.

Até ao momento, nenhum problema político relevante para Portugal se resolveu por iniciativa ou “obra e graça” de Marcelo Rebelo de Sousa.

4.A estratégia de Marcelo ficou clara desde o início: converter a Presidência da República no prolongamento natural da personagem televisiva que vinha a criar desde 2000, indo a todo o lado, comportando-se como uma verdadeira “pop star” e aproveitando a sua popularidade mediática.

Quanto mais “selfies” tirasse, mais poder de influência política teria – eis o pensamento central de Marcelo Rebelo de Sousa. Até porque este frenesim mediático e de “selfies” permite a Marcelo esconder as suas debilidades e fraquezas no que respeita a posições de princípio ou ideias fortes e estruturantes para o futuro do país – Marcelo não gosta de ter ideias políticas fortes e sólidas porque…isso significa ter gente em desacordo consigo.

E Marcelo não consegue viver sabendo que há gente que não o adora! As “selfies” e os beijinhos e abraços são a fuga ideal: toda a gente – desde comunistas até à extrema-direita – gosta de beijinhos e abraços. A imagem é demasiado ternurenta para alguém se atrever sequer a contestá-la.

 E mesmo aqueles (como nós) que dispensam qualquer abraço ou beijinho de Marcelo, acabam por ir na onda, incapazes de exercer qualquer escrutínio crítico sobre uma figura política nacional que já não é uma estrela televisiva , mas sim um político com poder. Ora, qualquer poder tem que ser sujeito a um controlo democrático, designadamente da opinião pública.

5.A estratégia de domínio da comunicação social de Marcelo Rebelo de Sousa é tão evidente que até criou uma “mini central de comunicação” em Belém. Se repararmos bem, os principais assessores de Marcelo são ex-jornalistas ou comentadores em destacados programas de televisão da SIC ou da TVI, que cumulam o comentário com a assessoria a Marcelo.

O que levanta delicados problemas de saber onde termina o assessor e começa o comentador – ou se não há uma instrumentalização do comentador pelo assessor de Marcelo. Depois, a articulação com o comentador mais visto em Portugal – Luís Marques Mendes – tem sido brilhante e discreta (ou brilhante porque discreta…), permitindo a Marcelo, aos domingos à noite, amplificar por interposta pessoa a sua mensagem.

Aqui o mérito também deve ser reconhecido a Maria João Ruela, assessora de Marcelo e ex-apresentadora do espaço de comentário de Marques Mendes, que permite uma ligação permanente e eficaz entre os dois.

6.Curioso é pensarmos que Marcelo Rebelo de Sousa, em 2004, denunciou, com Jorge Sampaio, a tentativa de Pedro Santana Lopes criar uma agência de comunicação governamental – afinal, o único problema de Marcelo era a ingenuidade de Santana Lopes. O que Santana deveria ter feito era o que Marcelo fez agora em Belém – uma agência de comunicação discreta…

7.E nesta onda comunicacional, Marcelo vai a todas. A propósito e a despropósito.

Por exemplo, na segunda-feira, em Tires, foi penoso ver Marcelo, na televisão, a querer fazer alguma coisa – mas sem saber o quê! Então vagueava (e a televisão, em directo, é letal) perdidamente, olhando em redor manifestamente desconfortável naquela posição, com ar cansado e envelhecido (Marcelo envelheceu razoavelmente desde que assumiu funções) …Para quê? Para quê?

8.Enfim, tem problemas conjugais em casa? Não se preocupe: Marcelo resolve! Ele já vai a caminho!

Tem problemas na canalização da sua casa? Não se preocupe: fale com Marcelo, que ele põe-se já a caminho!

O seu automóvel avariou em plena auto-estrada? Fale com o Marcelo! Ele já vai a caminho!

10.Se vir algo na estrada, no mar ou no céu, não hesite em perguntar: será um cometa? Será um avião? Será um pássaro? Será o Super-Homem? Não…é apenas Marcelo Rebelo de Sousa, pronto a resolver o seu problema (e a tirar uma “marselfie, claro”).

joaolemosesteves@gmail.com