Os lesados e a Justiça

Os casos BPN, BPP, BES/GES, BANIF e ainda o fenómeno de recuperação judicial da Oi – Portugal Telecom International Finance (PTIF), tiveram um impacto considerável no bolso dos portugueses. Esta frase é insuscetível de polémica. No entanto, pouco se tem falado das consequências dessas situações na justiça.

 Ricardo Marques Candeias
Advogado


Algumas evidências genéricas: estamos a falar de centenas de milhares de lesados, a maioria aforradores que, à custa de um enorme sacrifício, salvaram o pouco que tinham a pensar no futuro. Depois, a larga maioria é financeiramente ignorante – desconhecia o básico, não compreendia o investimento que fazia e correspondentes riscos. Além disso, é totalmente refém dos acionistas que controlavam as sociedades em causa e das agressivas práticas comerciais por estes ditadas. Estes punham e dispunham conforme os seus interesses pessoais — e nunca os interesses das sociedades que geriam. Na parte final da agonia que viveram, essas instituições financeiras e/ou entidades por elas totalmente controladas inventaram aplicações para drenar os últimos euros dos incautos aforradores através da emissão de ‘produtos complexos’, de ações que se faziam passar por obrigações, de veículos sedeados em paraísos fiscais onde a emissão desses produtos era efetuada sem qualquer tipo de controlo, e por aí fora… Valia tudo.

Esta desesperada ‘fuga para a frente’ assentava na ideia que os investidores comprariam tudo, desde que tivesse a chancela de uma ‘sólida instituição’. Ninguém iria reparar. Além disso, também pressupunha que, se algo corresse mal, existiria uma série de obstáculos que teriam de ser superados antes de os responsáveis serem diretamente atingidos – desde logo, o problema da jurisdição, da língua (a maioria dos textos era em inglês), dos custos judiciais, da ‘desmontagem’ do produto, do tempo que os tribunais iriam levar a dirimir o litígio, etc…

Por fim, a ‘fuga para a frente’ confiava na natural inação das pessoas. Se o investidor sofresse uma perda haveria uma grande probabilidade de nada fazer, de se manter quedo e mudo, responsabilizando o destino por malfadada sorte. Acontece que este planeamento saiu completamente errado. Os lesados souberam agir com a intensidade que o problema lhes exigia. Com o BPN o Estado português assumiu diretamente as perdas, pressupondo que haveria dinheiro para tudo, que todo o contribuinte pagaria o que fosse necessário para evitar males maiores. Neste caso, os lesados pouco fizeram e, consequentemente, a justiça também. No BPP os lesados eram poucos e não quiseram dar a cara. Foram discretos, movimentaram-se diretamente junto dos tribunais, sem sobressaltos de maior. Os tribunais agiram em conformidade, tanto cível como criminalmente. No BES/GES, o paradigma mudou. O Estado exigiu que as perdas fossem assumidas pelos investidores (já não havia dinheiro para tapar os buracos da má gestão). Por outro lado, os lesados eram em número considerável. Fizeram barulho não só nas ruas como interpuseram as competentes ações judiciais. Exigiram responsabilidades aos que diretamente tomaram decisões. Atacaram o Banco de Portugal e a CMVM. Os resultados estão à vista. A pressão foi tal que o Governo teve de encontrar uma solução, nomeadamente para o papel comercial. No BANIF os lesados agiram com destemor. Mas são em menor número, ainda estão no início e têm, à primeira vista, o teor dos contratos contra eles. Mas isso é apenas aparência. A Justiça ainda não se pronunciou. Na Oi-PTIF o Estado disse que o assunto não era com ele. Mas as fragilidades jurídicas dos produtos Oi-PTIF são tantas que, mais cedo ou mais tarde, os lesados que se movimentarem verão o seu esforço compensado. A Justiça está e estará atenta, exigindo que os lesados sejam ressarcidos, impondo o pagamento de indemnizações sobre quem violou a lei.

Admitindo que alguns dos nossos banqueiros se portaram mal vamos acreditar que a justiça se irá adaptar ao momento, decidir rapidamente e comportar-se à altura.