Secretário de Estado do Orçamento apresenta relatório sobre a dívida, mas não o assina

O secretário de Estado do Orçamento, João Leão, vai estar presente na apresentação do relatório do grupo de trabalho da dívida. Mas não vai assinar o documento.

Gerir a dívida sem entrar em rutura com a Europa, mas assumindo a necessidade de alterar as regras europeias. É essa a linha do relatório do grupo de trabalho sobre a dívida pública que será apresentado na quarta-feira no Parlamento.

O documento será divulgado como uma análise técnica que não compromete o Governo. O secretário de Estado do Orçamento, João Leão, fez parte do grupo e vai estar presente na cerimónia de apresentação das conclusões, mas não assinará o documento.

O tema é sensível e tem sido gerido com pinças. O grupo de trabalho fazia parte do acordo político assumido com o BE para assegurar o apoio parlamentar ao Governo, mas António Costa quis sempre evitar a ideia de que daqui sairia um guião que o Executivo teria de seguir.

A solução foi enveredar por uma análise académica, com vários cenários de gestão da dívida. A solução levou a que fossem redigidas 13 versões finais do documento, que foi sendo afinado, adiando durante meses a apresentação das conclusões.

«O trabalho deste grupo é muito importante na sistematização do diagnóstico da situação, na identificação dos constrangimentos e nas possibilidades de lidar com esses constrangimentos», diz ao SOL o economista Ricardo Paes Mamede, que faz parte do grupo de trabalho e que assume que a intenção não é a de comprometer o Governo com soluções.

 

‘João Leão não assinar é uma solução razoável’

«Não é estranho o secretário de Estado não assinar o relatório. É a solução mais razoável», sustenta Paes Mamede, que elogia o contributo de João Leão, «um dos melhores economistas que temos no país», mas entende que não faça sentido o governante assinar um documento que não vinculará o Governo.

«Quando me convidaram para o grupo de trabalho, não era de esperar que eu estivesse a influenciar a estratégia política dos partidos ou do Governo, nem eu me sentiria capaz disso», frisa o académico, explicando que o relatório trará ideias que podem ser usadas «a nível nacional pelo Governo na gestão da dívida», mas também soluções que «podem ser levadas às instâncias internacionais».

O que não constará são diretrizes para a política orçamental. «O documento não vai fazer nenhuma sugestão sobre estratégia orçamental», reforça Paes Mamede, que acha errado ver este trabalho como o resultado de «uma negociação entre o Governo e o BE», uma vez que se trata mais de uma «análise técnica».

Uma coisa é certa: não haverá soluções unilaterais para o problema da dívida, como de resto António Costa tem repetido à exaustão. «Não conheço nenhum partido com assento parlamentar que esteja a defender uma rutura com a Europa na questão da dívida», nota Paes Mamede, que acredita que hoje é já consensual entre os economistas «qualquer que seja a sua origem académica ou quadrante ideológico» a ideia de que é necessário mudar as regras de funcionamento da Europa.

Apesar disso, é clara a diferença que separa a ideia de bloquistas e comunistas de avançar para uma discussão sobre a renegociação e a cautela defendida por António Costa, que prefere esperar pelo momento político certo com o maior número possível de apoios na Europa.

A esquerda também diverge do Governo sobre a evolução provável da dívida. «O problema desse relatório é a análise que é feita», nota um dirigente do BE. É que enquanto este mês o Governo entrega a Bruxelas um Programa de Estabilidade que mostra a dívida a descer acentuadamente até aos 109,4% em 2021, BE e PCP duvidam que essa projeção seja realista.

«Pelo menos desde 2003 que todos os Governos e organizações nacionais e internacionais preveem uma descida da dívida», recordava a semana passada ao SOL o comunista Paulo Sá, para lembrar que todas essas previsões falharam.

 

Comunistas preferiam comissão parlamentar

Os comunistas, que preferiram não formar grupos de trabalho com o Governo para analisar questões específicas, gostariam de ver a questão discutida numa comissão parlamentar eventual.

«Entendemos que esta matéria é suficientemente relevante para que esta proposta seja discutida do ponto de vista formal», defendeu esta semana Paulo Sá na apresentação da proposta do PCP. A ideia seria dar um enquadramento «institucional» a um debate sobre as causas da dívida pública, o diagnóstico da situação atual e soluções para o que os comunistas consideram ser «um grave problema».

A comissão eventual proposta pelo PCP teria ainda a vantagem de ter representantes de todos os partidos. Mas é quase certo que a ideia comunista será chumbada. Quando o assunto foi aflorado pela primeira vez em plenário, PS, PSD e CDS mostraram-se contra a criação de uma comissão sobre a dívida.