Notas de Paris

As mais competitivas eleições de que há memória em França roubaram algumas certezas aos analistas. Mas há cinco coisas que podemos dar como garantidas de amanhã em diante.

Thomas Guénolé não acredita que no dia 8 de maio Marine Le Pen seja ‘Madame La Présidente’. «Quero ser muito claro para os estrangeiros e para os investidores em particular: na segunda volta, se for Le Pen contra uma cabra, literalmente uma cabra, é eleito o animal», garante o professor do Institute Sciences Po à CNBC. Ver Le Pen vencer na segunda volta ou ter um quadrúpede no Eliseu são hipóteses improváveis – mas só a segunda é impossível. As mais competitivas eleições de que há memória em França roubaram algumas certezas aos analistas. Mas há cinco coisas que podemos dar como garantidas de amanhã em diante.

Debate: aberto vs.fechado. Com quatro candidatos muito próximos, a confusão sobre quem passa à segunda volta é total. Tomando as sondagens como boas, o duelo será entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen. Até 7 de maio o combate é entre duas visões de sociedade: a liberal, globalista e aberta de Macron – «A França é tudo ao mesmo tempo, a esquerda e a direita», citando De Gaulle –, e a nativista, nacionalista e fechada de Le Pen – «Raios, dêem-nos a nossa França de volta!». Há o risco de confrontação dos extremos se o esquerdista Jean-Luc Mélenchon passar à segunda volta. Tal seria uma eleição de horrores para a Europa.

A esquerda entre os aldrabões e os fascistas. Não é a primeira vez que os socialistas estão na iminência de falhar a segunda volta. Aconteceu em 2002 e, nessa altura, em nome da ‘disciplina republicana’ a esquerda acabou a apoiar Jacques Chirac contra Le Pen pai. «Melhor um aldrabão que um fascista», gritava um slogan. Repete-se agora a frente republicana? Parece que nenhuma sondagem dá a vitória a Le Pen em maio. Mas ninguém sabe qual é a extensão da alergia à Frente Nacional porque há muitos indecisos e outros não dizem nas sondagens que votam Le Pen. Deve preocupar os adversários o facto de parte dos avanços eleitorais da FN terem sido conseguidos entre os jovens e antigos bastiões da esquerda.    

A ‘República’ sobre pressão. A França teve cinco Repúblicas e 16 constituições. E dois dos presidenciáveis estão a planear uma 17.ª. O sistema francês, desenhado para dificultar a vida a quem ponha em causa a sagrada República, está a perder peças e os partidos tradicionais – socialistas e republicanos – que governaram o país à vez nos últimos 60 anos estão em grandes dificuldades.

Legislativas trazem novas dificuldades. Com os holofotes nas presidenciais, convém não desprezar as legislativas de junho. Aí ou os franceses não mudam o sentido de voto e elegem uma maioria leal ao Presidente, ou dificultam a coabitação entre o Eliseu e o primeiro-ministro escolhendo um parlamento atomizado. O risco de paralisação é real. E pior fica olhando para a dificuldade que os intervenientes terão no próximo ato eleitoral: Macron lidera um movimento sem implantação nacional, Fillon tem um partido dividido e Marine e Mélenchon representam partidos antissistema sem tradição de governo.

A desintegração socialista. Na sede do PSF em Paris, na elegante Rue de Solférino, prepara-se a hecatombe. «Lanço um apelo à razão, não são as sondagens que decidem», disse um desesperado Benoit Hamon. Louvado por marcar o regresso à pauta progressista do PSF,

Hamon acabou por ficar na terra de ninguém: demasiado radical para o centro e demasiado suave para a extrema-esquerda. Outro resultado destes nas legislativas e o PSF criado por Miterrand estará morto. França, o farol ideológico da esquerda, é hoje o espelho da falência eleitoral das forças socialistas na Europa.