Um cómico apocalipse

No fundo, a relação dos motoristas de tuk-tuk com os turistas é mimética da relação dos governantes nacionais com Bruxelas

Não é uma graça. Um senador espanhol perguntou ao Governo: «Que plano tem o executivo perante a possibilidade de um apocalipse de zombies?» 

Carles Mulet, valenciano, pretendia assim protestar contra os «os impedimentos constantes do Governo» ao «escrutínio parlamentar». 

As respostas do executivo de Mariano Rajoy aos senadores, criticou por escrito Mulet, «não contêm nenhum tipo de informação» e «evitam dados». 

O senador recusa-se a compreender como mais de quinhentas perguntas receberam a mesma resposta genérica, de forma «vaga e nada a ver com o inquirido». 

A questão de Mulet, sobre um eventual apocalipse de zombies, visava provocar atenções mais concretas por parte de Madrid. Tal foi, de facto, conseguido. 

O Governo respondeu em rigor etimológico e expressivo. 

«O dicionário de língua espanhola da Real Academia reconhece duas possibilidades para a palavra ‘apocalipse’. Em relação à primeira –  “fim do mundo” – o Governo informa vossa excelência que não dispõe de planos específicos para a dita eventualidade, entre outros motivos, porque pouco se poderá fazer quando chegar o momento». 

Sobre a possibilidade de o referido apocalipse na pergunta parlamentar ser de «caráter zombie», recorreu-se novamente ao dicionário de língua espanhola da Real Academia. O Executivo, também por escrito, continuou em tom irónico.

«Em relação ao primeiro dos possíveis significados [para a palavra zombie] – “pessoa que se supõe morta e reanimada por artes de bruxaria com o fim de dominar a sua vontade” – o Governo não adotou nenhum plano específico, dada a duvidosa probabilidade de que aconteça».

Sobre o outro significado de zombie constante do dicionário – «aturdido, que se comporta como um autómato» – o Governo informou que «Espanha e as suas administrações públicas dispõem de diversas linhas de ação, apesar de o Governo duvidar de quem se possa encontrar nas circunstâncias descritas, por muitos que sejam, chegue a protagonizar uma situação de apocalipse como a que interessou vossa excelência».

É, então, caso para dizer que se os britânicos são conhecidos por proprietários de humor e parlamento, os espanhóis passarão a ser famosos por excesso de humor e falta de senado. Os portugueses pelo défice em ambos. 

A nós, para rir, restam-nos motoristas. Meninos de tuk-tuk, cidade fora, inventando romances de amor e mortes na forca em cada canto da Baixa por saberem que o drama numa visitada guiada é o melhor adjunto para a gorjeta. 

No fundo, a relação dos motoristas de tuk-tuk com os turistas é mimética da relação dos governantes nacionais com Bruxelas. Conta-se qualquer anedota por mais uma nórdica moedinha. 

Um cómico apocalipse. Sem zombies.