Brinde inesperado

Num recente almoço-debate, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, formulou uma inesperada proposta de revisão do sistema eleitoral para a Assembleia da República, sugerindo a importação do modelo em vigor na Grécia ou em Itália, oferecendo um bónus eleitoral ao partido que vença as eleições e que lhe garanta automaticamente uma maioria absoluta parlamentar. 

Tendo em conta que a posição tradicional do PSD nesta matéria tem passado por uma insistência um nadinha populista na redução do número de deputados (desconsiderando, até, o impacto negativo que essa medida teria na proporcionalidade e na representação dos partidos e regiões com menor dimensão), torna-se difícil compreender a radical alternativa agora proposta, de forma bastante inesperada e desarticulada do debate que o país tem feito sobre a matéria. 

Efetivamente, desde que a revisão constitucional de 1997 alargou o leque de opções que o legislador pode adotar numa eventual reforma do sistema eleitoral, o debate em torno da sua revisão vai entrando e saindo da agenda política com razoável regularidade. 

No entanto, aquilo que praticamente todos os partidos que se têm mostrado disponíveis para a reforma têm sublinhado e proposto passa pela necessidade de reforçar os mecanismos de aproximação dos eleitos aos eleitores, através da introdução de círculos uninominais de candidatura (num modelo misto similar ao que vigora na Alemanha). Ou, em alternativa, a possibilidade de transformação das listas de candidatos, hoje fechadas, em listas abertas, cuja ordenação possa ser influenciada pelas opções dos eleitores.

Não será por acaso que, em nenhum momento da nossa democracia, a questão de um bónus eleitoral para o partido mais votado foi colocada em cima da mesa. Esta representaria uma flagrante violação do princípio da proporcionalidade na conversão dos votos em mandatos, farol orientador do sistema eleitoral que temos utilizado com sucesso em todas as eleições legislativas e que garante uma real representatividade da Assembleia da República. 

Que sentido teria assegurar a um partido ou coligação que só conseguiu obter 36% dos votos um número de mandatos superior a 50%? Aplicado ao atual quadro parlamentar, esta opção perverteria em absoluto o verdadeiro resultado eleitoral, em que os partidos que se opunham à continuidade do Governo PSD/CDS somaram mais de 50% dos votos – e não o inverso. Ademais, perverteria por completo a função primordial de umas eleições legislativas, dirigidas à eleição de deputados e não à formação do Governo (como se tem insistentemente sublinhado, perante uma resistência olímpica de muitos dirigentes da anterior coligação em interiorizá-lo).

Muitos no PSD ainda estão presos no momento histórico (inédito, é certo) que se seguiu às últimas eleições legislativas e que levou a formação da atual solução governativa. Daí a estarem disponíveis para subverter o sistema político – tornando-o menos democrático e deitando fora as posições historicamente assumidas pelo partido – já será mais preocupante…