França. Todos contra Le Pen

Nem tudo mudou na política francesa. Os rivais derrotados e os grandes partidos uniram-se ontem contra Le Pen. Será a sua derrota certa?

Os partidos da tradicional paisagem política francesa recolhiam ontem os seus próprios cacos e começavam enfim as guerras internas que se vêm aproximando há meses, como se de grandes nuvens de tempestade se tratassem. Pela primeira vez desde 1958, os partidos socialista e gaulista ficam ambos de fora da segunda volta das eleições presidenciais. No seu lugar estão um candidato que nunca concorreu a cargos públicos e a herdeira da Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, que hoje vive numa sua versão suave, extirpada – aparentemente – dos seus traços abertamente xenófobos, antissemitas e racistas. Mas nem tudo ontem era fratura. No mesmo dia em que se estilhaçava parte da ordem política nascida em França com a criação da V República, avistava-se novamente a aliança republicana e europeísta que se formou em 2002 para derrotar o pai de Marine Le Pen, quando este – por poucas décimas e para choque geral – bateu o candidato socialista e alcançou a segunda volta.

Desta vez, a frente comum chega ao próprio Eliseu. Numa decisão inédita – mas não surpreendente – François Hollande anunciou ontem que votará em Emmanuel Macron na segunda volta das presidenciais, dia 7 de maio. Antes de o anunciar –sem margem de dúvidas, em direto para as televisões e a meio da tarde –, já o presidente da Comissão Europeia quebrara o protocolo ao anunciar o apoio ao único candidato abertamente favorável à União Europeia. 

Não foram os únicos. Quase todos os governos da comunidade europeia manifestavam-se ontem a favor de Macron, tal como os candidatos derrotados na primeira volta, com a importante exceção do homem da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon, que, com 19,%, quase ultrapassou o candidato gaulista e venceu mesmo no campo dos eleitores mais jovens (30% contra os 21% de Le Pen, o que faz antever alguma migração de votos). Em todo o caso, nenhuma voz era tão simbólica ontem como a de Hollande:_“A presença da extrema-direita na segunda volta é um risco para o país”, lançou. “Está em jogo a composição da França, a sua unidade, a sua adesão à Europa e o seu lugar no mundo”.

Derrota pela certa?

As sondagens, desta vez, acertaram em toda a linha. E as consultas para o segundo turno não parecem dar margem de manobra a Le Pen: no melhor dos casos, indicam, conseguirá 40%; no pior, perde por 25 pontos. Mas ontem abundavam sinais de alerta. É verdade que Le Pen ficou abaixo do que seria de esperar com as sondagens dos dias das eleições europeias de 2014, em que surgia com 25% dos votos; ou nas regionais de 2015, em que lhe eram atribuídos 27%. Mas ficava ontem também claro que os nomes Le Pen e Frente Nacional deixaram de ser párias na política francesa. Marine conseguiu mais 1,2 milhões de eleitores do que o seu partido atingiu nas eleições de 2012. E quase mais 3 milhões de votos do que o seu pai conquistou quando chegou ao segundo turno.

Macron pode ter um caminho fácil para a vitória, mas não há garantia de que o dique anti-Le Pen aguenta sob quaisquer condições. Marine anunciou ontem de surpresa que se demite da liderança do seu partido (ver texto ao lado) e alguns dos líderes mais conservadores nos Les Republicains, do derrotado François Fillon, indicaram que não votarão em Macron. Nicolas Sarkozy, uma voz importante na política francesa, não se pronunciara ontem e é tudo menos certo que apoiará o candidato centrista. Como já não o fez Mélenchon, a voz de fora do sistema que conquistou uns nada irrelevantes 7 milhões de votos.