BCE ainda é o anjo da guarda

O Banco Central Europeu (BCE) decidiu manter os juros e a política de estímulos, apesar de a inflação ter voltado a subir na zona euro. A decisão baixou os juros da dívida pública portuguesa, numa altura em que as agências de rating mantêm a avaliação do país. Portugal padece de variadas dificuldades económicas. 

A decisão do BCE foi a esperada, mesmo tendo o Eurostat revelado ontem que a inflação na zona euro subiu em março para 1.9%, um valor perto mas abaixo dos 2%, a meta da instituição.

Ainda assim, o presidente do BCE, que apontou para uma «recuperação cada vez mais sólida» da economia europeia, sinalizou também a possibilidade de estender em dimensão e tempo o atual programa caso o outlook económico piore.

Este anúncio afetou de forma positiva os juros da dívida de Portugal a 10 anos, que baixaram para mínimos de seis meses.

É que entre a melhoria da economia, a volatilidade da inflação e a incerteza política derivada das eleições francesas em maio, as britânicas em junho – que poderão ter impacto no Brexit – e as alemãs em setembro, Mario Draghi procura um otimismo moderado que impeça a retirada dos estímulos monetários antes de pelo menos o final de 2017, prazo definido para o programa de compra de ativos.

O presidente do BCE reiterou «a necessidade da atual política acomodatícia», analisa Marisa Cabrita, gestora de ativos da Orey iTrade, uma vez que «a economia do bloco europeu enfrenta ainda diversos desafios, nomeadamente algumas fragilidades em termos de qualidade de crescimento económico, risco político e riscos externos especialmente provenientes do processo de Brexit».

Também Filipe Garcia afirma que o BCE «decidiu, como era previsível, ‘jogar à defesa’» mas que «a partir de junho, resolvida a questão eleitoral francesa, poderemos esperar indicações mais claras».

O economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros lembra ainda que «nessa altura começa também a pensar-se nas eleições alemãs e penso que só acontecera algo mais concreto em termos de política monetária depois desse processo eleitoral».

Até lá, e segundo Filipe Garcia, «enquanto houver a perceção que o BCE irá “apoiar” Portugal em caso de necessidade, os juros deverão estar contidos. Ou, melhor dito, os spreads deverão estar contidos». Na opinião do economista, «o problema para Portugal é potencialmente mais preocupante quando os juros subirem para todas os países. Mesmo com o spread controlado, o serviço da dívida tenderá a aumentar, o que por si só prejudica a sustentabilidade da dívida pública».

A análise de Eduardo Silva, gestor da corretora XTB, vai no mesmo sentido. «Portugal não está realmente exposto ao mercado de dívida enquanto o BCE estiver no mercado a distorcer a procura» e «após o programa de compra de dívida, os especuladores irão analisar o crescimento, os juros, as reformas que foram feitas, ou não, e a sustentabilidade do modelo».

Nessa altura, lembra Marisa Cabrita, numa emissão de dívida soberana «fatores como taxa de crescimento económico, défice, taxa de emprego serão indicadores de cariz doméstico a ter naturalmente em conta».

Em entrevista à Antena 1, o Presidente da República colocou no topo das preocupações o crescimento do país. «É a resolução para vários problemas, entre os quais a dívida» e, por isso, realça «a importância do investimento», acrescentando Marcelo Rebelo de Sousa que só há investimento com confiança.

Desafios

«Os elevados níveis de dívida combinados com taxas de crescimento modestas levam a que a economia portuguesa enfrente um desafio adicional», diz a gestora de ativos da Orey iTrade, acrescentando que sendo a economia portuguesa «uma economia aberta», é «marcadamente dependente do bloco económico onde se insere».

Assim, afirma, «qualquer desequilíbrio observado na zona euro poderá ter um impacto significativo ao nível nacional».

A opinião é partilhada por Filipe Garcia. Segundo o economista da IMF, há «um grande grau de abertura e dependência da economia portuguesa ao exterior e ao BCE». Assim, exemplifica, «se Marine Le Pen vencesse as eleições em França e o país equacionasse sair da UE, a posição de Portugal sairia muito prejudicada».

O especialista aponta que «a principal vulnerabilidade» do país está na «relação entre três fatores: elevado stock de dívida, crescimento tendencialmente baixo e um histórico de indisciplina orçamental».

Stock de dívida elevado

De acordo com Filipe Garcia, a «sustentabilidade da dívida portuguesa continua a ser precária, sobretudo devido ao elevado stock de dívida e crescimento baixo».

Também Eduardo Silva aponta que a «principal vulnerabilidade da economia nacional é que cresce pouco e tem uma dívida elevada».

Segundo o gestor da corretora XTB, «neste momento a conjuntura internacional está a disfarçar as limitações económicas do País, mas numa fase em que o crescimento abrande e com este nível de juros, que não tendem a diminuir nos próximos anos, o financiamento da economia será sempre um problema».

Avaliação

É com base nestes fatores que as agências notação financeira têm avaliado a situação de Portugal.

«Penso que a posição das agências se justifica tendo em conta a fraca sustentabilidade da dívida portuguesa», diz Filipe Garcia, lembrando que «ainda esta semana foi dado a conhecer o trabalho do Mecanismo Europeu de Estabilidade que continua a considerar a dívida como de ‘alto risco’, uma classificação que apenas é partilhada com a Grécia».

 

Dúvidas e cautelas

Na opinião do economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, a «situação pode estar a evoluir positivamente dadas as previsões para o crescimento e défice de 2017 e anos seguintes. Mas as dúvidas e cautelas das agências são legítimas».

Também Eduardo Silva aponta que «a posição das agências de rating espelha a confiança na capacidade de Portugal pagar as dívidas, mas excluindo o peso do programa de compra de dívida do BCE que é finito».