Mélenchon falou e não disse, Marine disse

Ao quinto dia, Jean-Luc Mélenchon falou. Foi preciso passarem quase 80 horas depois de conhecidos os resultados da primeira volta das eleições francesas, para o candidato da extrema-esquerda tentar uma explicação sobre o seu absurdo posicionamento na segunda volta das presidenciais.

O problema é que por péssimo candidato que seja Emmanuel Macron – e é – o distanciamento de Mélenchon pode transformar-se num sério contributo para engordar as hostes de Marine Le Pen. Estamos a assistir a um suicídio em direto do homem que conseguiu um capital político extraordinário e que corre o risco, agora, de ver o seu eleitorado voar para os braços de Marine que ainda ontem fez um apelo expresso aos votantes do movimento “França insubmissa” para «fazerem barragem a Macron». Marine usou a hashtag #DangerMacron.

Mélenchon fez menos que zero para travar essa «barragem a Macron». Por muito que diga que nunca votará em Le Pen, a sua justificação para esconder o seu próprio voto dos franceses é um atestado de equidistância moralmente ruinosa. No vídeo que ontem publicou no Youtube, Mélenchon diz: «Porque é que eu não digo [em quem voto]? Para que vocês possam continuar unidos. Para que cada um de vocês, qualquer que seja a decisão que tome, possa permanecer coerente com o voto que fez e possa continuar orgulhoso do seu voto». Isto é o grau zero do discurso político.

Depois, Mélenchon rejeita o apoio a Macron baseado numa premissa que, a ser válida, teria impedido o PCP de declarar o seu apoio ao arqui-inimigo Mário Soares nas presidenciais de 1986: «O que nos estão a pedir não é um voto contra a extrema-direita, mas um voto de adesão. Não, nós não aderimos ao seu projeto». Há um bilião de maneiras de justificar o apoio a um banqueiro com um péssimo programa, mas defensor da democracia, contra uma candidata xenófoba. Mélenchon escolheu não o fazer. Diz apenas: «Isso não me impedirá de fazer o que considero ser o meu dever, sou uma pessoa livre». Vai votar Macron? A coisa é tão rebuscada que o eleitor comum francês pode nem perceber. O referendo para decidir se existiria apelo à abstenção contribui para que Marine se sinta à vontade para captar a França Insubmissa. Mélenchon está a dar tristemente razão à direita que o qualificou como a «outra face de Le Pen». É doloroso de se ver.