Francisco Vale. “Os intelectuais estão hoje à defesa face a esta rebelião das massas”

Desde o início da década de 1980 na edição, Francisco Vale é hoje o mais destacado editor literário português e somou mais um espetacular triunfo ao conquistar Agustina para o seu catálogo. Depois de resistir ao fenómeno da concentração editorial e crescer durante a crise, aliando o rigor dos critérios a uma gestão cautelosa, a…

Francisco Vale. “Os intelectuais estão hoje à defesa face a esta rebelião das massas”

É simbólico o facto de Agustina Bessa-Luís ter deixado a Guimarães, pondo fim a uma relação de seis décadas, para passar a integrar o catálogo da Relógio D’Água. A grande romancista do nosso século XX vem coroar a editora de Francisco Vale, que assume hoje uma posição de liderança na edição literária. Isto foi conseguido mantendo o rumo, uma estrutura pequena, confiando na maturidade de um setor dirigido a um público que seria sempre o último a adaptar-se à colonização pelos imperativos consumistas.

Num momento em que gurus e futurologistas garantiam que a tecnologia ia virar do avesso a edição, que os livros digitais iam pôr fim ao papel, Vale manteve-se impassível, recusou as propostas que lhe foram feitas pelos grandes grupos, e venceu a crise, crescendo nunca menos de 5% a cada ano. Possui o catálogo mais sólido não apenas ao nível dos clássicos, como também na ficção contemporânea. Deste modo, a Relógio D’Água impôs-se como um farol, e tem hoje toda uma tradição do seu lado quando se volta para o futuro. 

O que o levou a tornar-se editor?

Nos anos 80 era jornalista, tinha deixado o Diário de Lisboa, e passei para o semanário O Jornal, uma cooperativa de jornalistas – também nisso se distinguindo do que se passa atualmente nos jornais. Tinha feito um pouco do que queria fazer no jornalismo, entrevista, reportagem, uma tentativa gorada de fazer jornalismo de guerra. A minha imaginação jornalística, que se calhar não era grande, estava a esgotar-se. Mas sempre tive um fascínio pela escrita, por ver aquilo que escrevemos divulgado em milhares de exemplares umas horas mais tarde. Em conjunto com o Fernando Dacosta e com o António Palouro, dono do Jornal do Fundão, resolvemos criar uma editora, pensando que íamos subverter a vida literária portuguesa. Escrevemos um manifesto, daqueles aguerridos… Éramos novos, tínhamos essa atenuante.

Que idade tinham?

Andávamos pelos 30. Mas fazer uma editora no início é simultaneamente fácil e difícil. Fácil porque não assenta numa estrutura pesada, não há necessidade de ter armazém nem grandes despesas com pessoal. Mas passados uns anos as coisas começam a pesar porque os livros – que são pagos quase imediatamente aos autores, aos tradutores, às tipografias, às papeleiras – só recebemos o dinheiro das vendas passado muito tempo, e isso faz com que a mortalidade infantil das editoras seja muito elevada.

E o que vos aconteceu?

Passado algum tempo, as pessoas que fundaram a Relógio D’Água comigo desistiram, porque havia dificuldades a vários níveis. Eu resolvi persistir até hoje.

Esta editora sobrevive inteiramente dos seus lucros, ou à semelhança do que acontecia com a Cotovia, de André Jorge, pagava as suas contas recorrendo a uma fortuna pessoal?

Inicialmente recorri à venda de bens pessoais. Vendi a minha parte de uma quinta onde tinha nascido. Uma quinta lindíssima no Minho, a descer por socalcos até ao rio. Mas ficou na família e, entretanto, já a recuperei.

Em que anos é que isto se passou?

Em finais de 82 a editora foi fundada, e em 83 ou 84 passou-se isso. Mas note: gostei sempre de escrever e tentei conciliar o jornalismo com a atividade editorial. Durante seis anos, entre 82 e 88, acumulei as duas. Mas nem era bom jornalista nem estava a conseguir ser um bom editor, portanto resolvi despedir-me d’O Jornal, o que na altura era arriscado. Inicialmente tentei ainda escrever, publiquei um ou outro livro, mas rapidamente me apercebi que era difícil conciliar a escrita com a edição.

Qual era a sua ambição como editor?

Enquanto editor o que passei a fazer foi partilhar com os leitores, através de uma estrutura empresarial, os meus gostos literários, ensaísticos, e, de certo modo, viver por procuração dos autores a minha própria vida intelectual e literária. O meu catálogo reflete aquilo que eu intelectualmente pretendo ser, ainda que haja autores que eu gostaria de integrar no catálogo e não possa, porque estão já noutros.

E o que o diferenciou?

Apercebi-me que os editores em geral, sendo pessoas que gostavam de livros, não eram propriamente empresários, não tinham talento para a gestão. Isto levou a que muitas editoras interessantes – é o caso da Quetzal, Caminho, Teorema, entre outras – tenham acabado por se vender a grandes grupos empresariais, naquele movimento de concentração editorial que marcou o início deste século. Eu decidi que a Relógio D’Água seria sempre uma empresa muito equilibrada. Hoje, se tecnicamente é uma pequena empresa, é líder na sua área. Tem uma situação financeira ótima, sem uma única dívida à banca ou a fornecedores.

Além dos leitores ocasionais, quantos leitores dedicados existem e que garantem esta actividade?

Sobre isso tenho um conhecimento empírico. Atualmente, há menos grandes leitores, embora haja mais leitores ocasionais, mas um título que vende razoavelmente chega aos 10 mil exemplares. Mas veja o exemplo da Elena Ferrante, que chega aos 30 mil exemplares, e é uma autora não tão fácil como isso. No passado, estes números eram bastante superiores. Lembro-me que o ensaio do José Gil, Portugal, Hoje – o Medo de Existir (que também não era um livro tão simples como isso), vendeu cerca de 70 mil exemplares. Tem havido um decréscimo das tiragens, e hoje aquilo que começa a contar como best seller em Portugal desceu bastante. Antes era acima de 30 mil, hoje um livro que venda mais de 10 mil já é considerado um best seller.

E qual foi a estratégia da Relógio D’Água para crescer quando todas as outras editoras acumulavam prejuízos e tiveram de se vender?

O único segredo é que aposta em bons livros, não faz concessões a esse nível. E espera que, de 3 em 3, ou, pelo menos, de 5 em 5 anos, haja um livro que venda muito acima da média. É isso que nós temos conseguido e é o que garante a estabilidade dos nossos resultados. Não temos nenhum livro que nos envergonhe no catálogo.

E para se orientar mantém parcerias com outras editoras, concertando estratégias ao comprar certos autores, ou tem a sua própria equipa de olheiros?

Atualmente, todos os editores sabem quais são os grandes êxitos nos EUA, na Grã-Bretanha, em França, na Alemanha, Turquia, Israel… Todos sabem quais são as long lists e short lists dos prémios internacionais. Depois o que distingue os editores entre si é que há uns que se guiam sistematicamente pelo top 10 dos países anglos-saxónicos, e descontando os livros que têm uma temática demasiado regional, procuram disputar os títulos mais vendidos nesses países. Há uma série de chancelas que fazem isto, algumas delas associadas a editoras que já tiveram um passado mais seletivo. Resolvem assim criar estas chancelas para publicar o lixo, misturando às vezes alguns bons títulos, o que muitas vezes ao invés de lavar a imagem só gera ainda mais confusão nos leitores. Depois há editores que têm critérios próprios de avaliação, que além da vendas acompanham a crítica, vão ler nas publicações referências a esses livros, lêem os próprios livros e, em função de um crivo pessoal, de um conhecimento que não é o mero corolário de uma informação bruta, fazem as suas escolhas. É isso que distingue os editores, e que permite afastar os editores com mais preocupações culturais daqueles que só se preocupam em vender muito. 

Editando 100 livros por ano, consegue lê-los todos?

Consigo. Total ou parcialmente leio 10 a 12 livros por mês. É claro que os meus olhos já não são o que foram mas mesmo assim ainda consigo fazê-lo.

Na evolução do setor do livro, a crise surge sempre como um alçapão mágico para se deixar de pensar sobre as questões. Acredita que culturalmente se passou algo de mais profundo, que o livro perdeu leitores num reflexo da perda da sua centralidade na cultura?

É evidente que perdeu essa centralidade. Há hoje outras formas culturais prevalecentes entre as pessoas que usufruem de bens culturais. Também há hoje uma série de autores que, se aqui há 30, 40 ou 100 anos estariam a escrever livros, romances, contos, ensaios, agora escrevem argumentos para séries televisivas, colaboram em videojogos. Alguns dos autores mais imaginativos da atualidade estão em áreas que não propriamente a escrita de livros. Mas se há essa perda de centralidade, se os próprios escritores perderam a autoridade intelectual que chegaram a ter noutros períodos, o livro impresso continua a ter muita importância. Pensou-se que o livro digital iria ter uma entrada avassaladora na área da edição e não foi o caso. As pessoas preferem os livros em papel. Já se verificou que os níveis de assimilação a partir de um livro impresso são superiores àqueles a partir de um livro digital, que tem fatores de dispersão muito grandes.

Mas em Portugal a sensação que temos é que a literatura perdeu expressão mesmo nos meios de comunicação de massas. Não se sente que as pessoas de maior talento estejam hoje a escrever para a televisão e os jornais viram o elo à literatura romper-se.

O que se verifica atualmente é uma degradação ao nível dos novos leitores e autores, nomeadamente na complexidade das obras e do vocabulário, que é muito mais pobre. Aí há uma deterioração grande que dificulta a edição de clássicos, designadamente de autores cujo vocabulário é muito rico. E já nem falo do Aquilino, que além de rico era muito regionalista, mas da Agustina Bessa-Luís ou mesmo do José Saramago. Também porque hoje não há espaços de silêncio que permitam a leitura. 60% dos jovens norte-americanos não conseguem ler sem um ruído de fundo, sem música ou outro qualquer som. Aqui em Portugal algo de semelhante deve passar-se embora não haja estudos estatísticos para afiançá-lo. Hoje, um clássico grego ou romano teria de estar cheio de notas de rodapé se as pessoas não pudessem ir consultar à internet referências que eram dominadas pelos leitores portugueses cultos de há 50 anos ou 100 e hoje já não são. É evidente que nos jornais já não há essa predominância das pessoas que gostavam de ler, que tinham uma cultura literária. Na altura em que eu passei pelos jornais esse era um traço decisivo. Em relação à televisão, se esta fosse mais atenta poderiam estar lá alguns talentos literários a desenvolvê-la. Em vez daqueles escritores que aproveitam todas as hipóteses, e se prestam tantas vezes a cenas um bocado ridículas para aparecerem, acho que podia haver escritores com mérito a escrever guiões de telenovelas e séries. Há um falso dilema entre apocalípticos e integrados.

Voltando a si e à sua vida literária, chegou a escrever e publicar romances.

Sim, escrevi dois romances.

Sente que abdicou de ser escritor para ser editor?

Acho que se estivesse para ser um grande escritor teria continuado a escrever e teria dispensado a atividade editorial. Gostava muito de escrever e escrevi esses dois romances com convicção, mas depois cheguei à conclusão que era incompatível tentar ser um bom escritor e editor. A edição é muito absorvente para um editor independente como é o meu caso. O editor tem, não só de ler os livros que publica, mas de acompanhar as traduções, apoiar a divulgação das obras, fazer funcionar a equipa. Depois não é só a parte editorial, temos também a distribuição, que é mais um trabalho de gestão. Hoje a Relógio D’Água já tem 14 funcionários e dezenas de colaboradores externos a tempo parcial ou inteiro – como tradutores e revisores -, portanto é uma estrutura bastante absorvente. Já não era compatível ser um editor que procura manter alguma importância na vida literária portuguesa e ser um escritor bom. Porque não vale a pena ser um escritor razoável. Uma pessoa pode ser um engenheiro razoável, que tem muito mérito e faz uma série de coisas, mas há atividades em que ou se é bom ou mais vale estar quieto. O escritor para mim é um desses casos.

Não lhe parece que isso que está a dizer é absolutamente contra-corrente? Hoje todos têm a pretensão de ser escritores.

Sim, há quase mais escritores do que leitores. Mas isso faz parte de um processo de narcisismo individualista que leva a que as pessoas procurem afirmar-se através da escrita e da publicação a todo o custo. Escrever mantém um certo prestígio, e para muitas pessoas publicar continua a ser uma tentativa de aquisição desse prestígio. Não é por acaso que algumas editoras, como a Chiado, lucram recebendo dinheiro dos próprios autores, publicam livros sem critério quase nenhum, e tiveram uma tão rápida expansão. Quer dizer, não são editores, são empresas que facultam essa possibilidade de alguém satisfazer o seu desejo de adquirir algum do prestígio que ainda está associado ao livro. É o contrário da edição, tal como eu a entendo. Depois noto que há também mais facilidade em editar materialmente. Há a impressão digital, que permite fazer pequenas tiragens com custos razoáveis para 200 ou 300 exemplares. Finalmente, também há uma tendência para a presentificação de todas as coisas. As pessoas, de certo modo, perderam a memória, basta pensar nos grandes autores portugueses que estão esquecidos, ou que são pouco lembrados. Além de se hipervalorizar o presente, também há a valorização da presença dos autores. Qualquer autor que apareça nos festivais literários, e há alguns que aparecem em 10, 15, 20 por ano, e que estejam constantemente disponíveis para ir à rádio, à televisão, para escrever nos jornais, obviamente têm mais leitores do que um escritor que, ou já está morto, ou que não aparece tanto em termos públicos, mas que tem uma grande obra. Não é por acaso que a auto-ficção tem tido tanto desenvolvimento. É como se os leitores começassem a interessar-se mais pela vida dos autores, dos escritores, do que por aquilo que eles escrevem.

Mas fala-se hoje da cultura como se se tratasse de agricultura biológica. Em tempos esta era um perigo, um território do qual surgiam figuras com um tipo de desenvoltura intelectual que forçava os outros à vergonha, a sentir a sua ignorância.

O Ortega y Gasset escreveu aquele livro em que diagnostica uma ‘rebelião das massas’, e fala no aparecimento destas massas em espaços que estavam antes reservados às elites, ou pelo menos a grupos sociais com uma certa exigência cultural e literária – e isto ía desde as praias até aos teatros e cinemas. O que verificamos hoje é que essa ‘rebelião das massas’ tem alastrado. As redes sociais potenciam isso. Tendo aspetos positivos, também vieram permitir que qualquer idiota possa escrever e publicar, difundir a sua opinião mesmo que esta não tenha fundamento algum. Essa rebelião assustou os intelectuais. Eles não conseguem muitas vezes confrontar-se com o facto de a opinião dos idiotas assumir o mesmo estatuto de opiniões especializadas ou até críticas, e em termos públicos surgirem niveladas. Qualquer escritor atualmente inibe-se de ter uma opinião pública porque receia que surja desalinhada da corrente mainstream, sujeitando-se a que haja um fenómeno viral qualquer em que o desanquem a torto e a direito. Isso tem acontecido com alguma frequência. Portanto, os intelectuais estão neste momento à defesa face a esta rebelião.

Agora que se confirmou que a Relógio D’Água passa a ter os direitos da obra de Agustina, como encara a forma como ela foi tratada pela Babel?

Não acompanhei em pormenor. Limito-me a verificar que, dos três grupos que se formaram a partir da aquisição de outras editoras, a Babel foi aquele que pior funcionou porque não tinha à sua frente um editor. Adquiriu fundos de editoras históricas mas tratou-os de um modo perfeitamente displicente. Não conseguiu renovar as chancelas que adquiriu e, em relação à Agustina, limitou-se a pôr, salvo erro, 14 dos mais de 50 que a Agustina escreveu nas livrarias. Ainda por cima numa edição Omnia, que ficou incompleta.

A própria editora surgiu publicamente a desvalorizar a autora que lhe cabia representar e divulgar. Nisto, a reacção do meio intelectual português também foi inexistente.

Espero que em torno da Agustina ainda seja possível uma reação viva. Como em relação à obra dela, e o seu ressurgimento junto dos leitores. Quanto à Babel, hoje em dia já nem é sequer o Paulo Teixeira Pinto que a dirige. É isso que explica que a maior autora do século XX português estivesse muito maltratada lá. Quando tentei entrar em negociações com a família, creio que a Mónica Baldaque [filha da autora] se mostrou mais recetiva porque há dois anos eu tinha tentado editar algumas obras da Agustina para uma coleção específica.

E o que há agora a fazer para devolver esta autora à dignidade que merece?

Há todas as condições de relançar a obra da Agustina junto das novas gerações de leitores. O problema é o mesmo que tivemos já ao tentar reeditar alguns clássicos, ou as dificuldades que tivemos para trazer de volta o José Cardoso Pires, o António Gedeão (Rómulo de Carvalho)… Ou seja, como é que se consegue impor um autor de grande qualidade e prestígio, mas que já não pode ir à televisão falar dos seus livros, não pode aparecer, nem escreve já, quando tudo está feito para a valorização dos livros que acabam de sair, dos autores que não saem dos festivais. De resto, não percebo como é que alguns deles conseguem explorar os seus próprios limites quando se dispersam de tal modo. São muito complacentes em relação a essas solicitações – estão dispostos a ir a qualquer festival mesmo que seja numa terra que nem sequer tem uma livraria… Alguns são meros factores de dispersão e arrogam-se até de um tipo de apreciação que em princípio não devia pertencer a uma autarquia, como é o caso do Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, que escolhe um júri para eleger o melhor romance de língua portuguesa num dado ano. Percebo que uma associação de escritores o faça, mas uma autarquia tem menos legitimidade para o fazer. 

Então até ao final do ano vamos ter 10 livros da Agustina editados na Relógio D’Água, um deles inédito, e todos com prefácios de autores interessados pela obra dela, e mais?

Sim, escritores que vão do Gonçalo M. Tavares ao Pedro Mexia, passando pelo António Barreto e outros. Para falar de alguns que já deram a sua concordância a este projecto. Serão portanto pessoas que cumpram estes critérios: mérito próprio, que apreciem a obra de Agustina e que tenham leitores de todas as idades. É conveniente que sejam pessoas que tenham divulgação e que possam chegar a todas as gerações de leitores. Depois vamos ter o máximo cuidado na exposição das obras de Agustina para que estejam presentes nas livrarias. Esperamos também a colaboração dos livreiros, e, aliás, a Relógio D’Água espera ter em breve pelo menos uma livraria central em Lisboa.

Já têm uma morada?

É a Ferin, no Chiado. Está neste momento em curso uma negociação para que a Ler Devagar e a Relógio D’Água entrem numa parceria para dinamizar a Ferin, torná-la uma livraria de referência outra vez.

Como tem evoluído a relação da editora com os leitores?

Os novos meios de comunicação têm-nos sido úteis. Temos uma certa interação com os leitores através do Facebook, onde temos umas dezenas de milhares de seguidores. Todos os dias eles nos fazem sugestões de livros, autores, pronunciam-se sobre aquilo que publicamos… Nas feiras do livro, designadamente a de Lisboa e do Porto, é a altura em que somos também livreiros. É claro que se tivermos uma livraria aberta essa relação com os leitores será mais estreita. Uma das razões porque estou a associar-me à Ler Devagar é precisamente para tentar criar um projecto livreiro diferente. Tenho muita consideração pelos livreiros independentes que há, mas devo dizer que muitas vezes são de uma grande indigência. É muito importante fazer a articulação entre os leitores e os autores nas livrarias. O projecto da Ferin passará por tentar dar uma volta a esse tipo de ligação tradicional. Desde logo qualquer escritor ou tradutor terá um desconto adicional, depois terá frequentes debates. A Relógio D’Água está a preparar já um ciclo de debates. A Ferin tem ali a concorrência dos dois grandes grupos livreiros – a Fnac e a Bertrand -, está na boca do lobo, e é preciso que seja competitiva, seja em termos da oferta e dos preços, seja das condições de atendimento.

E quanto ao futuro da editora?

Já tenho uma certa idade, farei em breve 70 anos, mas acho que um editor deve morrer com a armadura posta. Quero estar nesta actividade até ao fim. De qualquer maneira, a editora tem a continuidade assegurada uma vez que o meu filho, Carlos Vasconcelos, trabalha aqui. É ele que trata do grafismo dos livros. É um excelente leitor, sendo bilingue, é ele que acompanha e me apoia nas opções que fazemos ao nível da língua inglesa. Posso acompanhar ainda durante uns anos, mas acho que a Relógio D’Água irá ter essa continuidade, que me parece ser muito importante nas editoras. 

A Relógio começa agora a ter o catálogo mais forte em termos de ficção estrangeira contemporânea, e como será a aposta nas outras áreas?

Na poesia temos a mais ampla colecção de poesia traduzida, e cerca de 170 livros de poesia no catálogo. Na colecção de fição estrangeira temos já à volta de 260 títulos. É também a mais ampla, com alguns dos melhores escritores traduzidos. Temos cerca de uma centena de clássicos traduzidos do original, e agora temos a colecção comemorativa dos 35 anos, com clássicos a custar entre 5 a 10 euros, uma nova colecção de viagens… E isto é tudo para manter e para reforçar.

Tem sentido que, se depois da crise as coisas ficaram mais difíceis para os editores, hoje começa a haver sinais de uma melhoria da situação?

A Relógio D’Água não sentiu a crise. Como apostou sempre na qualidade e criou uma relação de fidelidade com os leitores, eles acompanharam a editora. Não tivemos quebra nenhuma ao longo destes anos. Pelo contrário, tivemos sempre um aumento nunca inferior a 5%, nas vendas, na facturação, na procura dos livros. Portanto, compensa o rigor e a exigência no trabalho editorial.