Não há educação sem educação física

Trabalhei quarenta anos como professora, em todos os níveis de ensino.

aprendi muito. senti sempre o meu trabalho como uma vertente compensadora da minha vida. gosto mesmo do processo ensino/aprendizagem.

li com preocupação o decreto-lei nº 129/2012, documento sobre a revisão curricular. no que à educação física e desporto escolar diz respeito, as orientações são, no mínimo, desastrosas.

vejo-as mesmo como um retrocesso civilizacional.

os alunos não são só pessoas do pescoço para cima.

mesmo os que têm 20 valores a matemática e terminam o secundário a dominar quatro línguas.

os humanos precisam de se desenvolver de forma harmoniosa e global.

na antiguidade, quando não se falava ainda ‘eduquez’, já se sabia e se praticava o resultado destas premissas.

mens sana in corpore sano.

não há educação sem educação física, com o estatuto curricular de qualquer outra disciplina.

dela depende a acção preventiva sobre factores primordiais da saúde, a aquisição de estilos de vida saudáveis, a abordagem de matérias onde o esforço físico, o raciocínio, a cooperação, a superação e resolução de problemas são aprendizagens estruturantes, mais que o latim ou a matemática.

quando, muito antes de exercer o poder, o senhor ministro (que estimo e respeito) nos começou a falar em ‘eduquez’, encarei o facto com a tolerância dos velhos perante os radicalismos com que os mais novos criticam o que não fizeram. ‘é sério e inteligente, chegará ao equilíbrio’ – pensei eu.

chegou ao poder e há sinais preocupantes: mega agrupamentos de escolas, hiper valorização das áreas conceptuais em detrimento de todas aquelas que potenciam outras competências e aprendizagens, e agora a educação física a caminho de ser diluída numa área a que chamam ‘expressões e tecnologias’.

senhores professores doutores: poderão explicar-nos as razões científicas e de natureza curricular que fundamentam tal agregação?

entre 1991 e 1997 coordenei, no ministério da educação, um programa que envolveu 550 escolas de todos os níveis de ensino. o pretexto era a prevenção de comportamentos de risco, nomeadamente o uso/abuso de drogas.

o programa foi avaliado por duas universidades públicas, desde a sua concepção.

para além da redução dos consumos, as escolas que dele beneficiaram reduziram o insucesso escolar, bem como o abandono escolar.

o núcleo duro do trabalho desenvolveu-se a partir da educação física e do desporto escolar.

organizem-se, pois! porque não é coerente o ministério da saúde estar alarmado com os problemas da obesidade e da diabetes entre crianças e jovens – e, ao mesmo tempo, a escola pública legislar no sentido de despromover o único factor preventivo eficaz, que deve chegar, tão precocemente quanto possível, a todos os cidadãos.

em 1923, vladimir illich ulianov dizia: «precisamos de poupar muito… em tudo… menos na educação». até ele percebia.

catalinapestana@gmail.com