Operação Marquês. MP teme que Salgado volte a falsificar documentos

Durante o interrogatório, Ricardo Salgado foi confrontado com questões relacionadas com o negócio das operadoras PT e Oi e a sua relação com José Sócrates

O Ministério Público (MP) requereu que fossem aplicadas a Ricardo Salgado, arguido na Operação Marquês, outras medidas de coação para além do termo de identidade e residência (TIR) por considerar que existe a hipótese de o antigo líder do Banco Espírito Santo (BES) forjar documentos que o ilibem dos crimes de que é suspeito. O juiz de instrução Carlos Alexandre concordou com o pedido do MP e proibiu o banqueiro de se ausentar do país, bem como de contactar com todos os arguidos do processo e ainda com um leque de personalidades ligadas às atividades do Grupo Espírito Santo – como Amílcar Morais Pires e Francisco Machado da Cruz, Álvaro Sobrinho e Rui Guerra (BES Angola) e Alexandre Cadosch (presidente do Eurofin).

Durante o seu interrogatório, o ex-presidente do BES foi confrontado pelo MP com questões relacionadas com o negócio das operadoras Portugal Telecom (PT) e Oi, a sua relação com o então primeiro-ministro José Sócrates e a possibilidade de este ter, a seu pedido, influenciado a oferta pública de aquisição (OPA) à operadora portuguesa, feita pelo grupo Sonae.

A investigação foca-se nas diversas transações monetárias feitas entre o universo do Grupo Espírito Santos (GES) e Carlos Santos Silva, empresário que o MP acredita ser o testa-de-ferro de José Sócrates, que na altura da OPA da Sonae à PT exercia as funções de primeiro-ministro. A troco de contrapartidas, defende o MP, Sócrates terá usado o cargo que ocupava para se opor à oferta pública do grupo liderado por Belmiro de Azevedo – influenciando o voto da CGD, um dos acionistas fortes da PT, representada na assembleia-geral por Armando Vara.

A tese dos investigadores é a de que Salgado e Sócrates combinaram um engenhoso esquema financeiro que permitiria que as luvas pagas ao ex-líder socialista escapassem ao olhar da justiça. Para o efeito, sob o comando do ex-presidente do GES foi montada uma operação de financiamento da ESCOM, através do BES Angola e de de uma offshore do BES na Madeira, a qual permitiria a canalização de fundos para uma conta de Hélder Bataglia. Este empresário receberia os fundos a título de falsos pagamentos da ESCOM , empresa de que era presidente, canalizando posteriormente o capital para Sócrates.

O esquema montado visava manter intacto o poder de Ricardo Salgado na operadora portuguesa: o GES era um dos acionistas de peso da PT e, se a OPA vingasse, o banqueiro veria colocado em causa o alinhamento entre o BES e a PT, bem como a capacidade de influenciar a determinação das estratégias da empresa, não só em sede de investimentos, em particular no Brasil, como em sede de definição do exercício de direitos de voto no âmbito da participação detida no BES. Quanto aos negócios que envolveram as brasileiras Vivo e Oi, o MP acredita que Salgado agiu de forma a obter resultados favoráveis ao BES, enquanto acionista da PT e enquanto promotor de investimentos no Brasil.

Segundo o MP, para realizar estas ações, o antigo líder do BES determinou a utilização de contas de terceiros e que se forjassem contratos e contas em nome de entidades instrumentais, com o propósito de ocultar a sua intervenção nos factos e perturbar a recolha de provas. Durante o seu depoimento, Salgado negou as suspeitas contra si apresentadas, bem como a existência de qualquer acordo com José Sócrates — argumento que fora denunciado por Hélder Bataglia, líder da ESCOM e representante do grupo em África.

No seu depoimento, Bataglia disse ao MP que Salgado lhe solicitara que permitisse a passagem de fundos pelas suas contas, de forma a executar depois instruções que lhe seriam feitas chegar por Carlos Santos Silva. Quanto aos alegados pagamentos feitos através da Espírito Santo Enterprises, o “saco azul” do BES, a administradores da PT – com o objetivo de influenciar a sua conduta nos negócios que envolviam a empresa portuguesa –, o banqueiro fez referências a contratos celebrados que justificavam os montantes transacionados, sem no entanto ter apresentado documentos de suporte.

Foi o caso de Henrique Granadeiro, suspeito de ter recebido luvas de cerca de 24 milhões: Salgado tentou justificar parte desse movimento de capital com o facto de a respetiva offshore do BES ter adquirido uma parte de uma sociedade agrícola de Granadeiro no Alentejo. Não soube, no entanto, indicar o montante envolvido no negócio nem o nome da respetiva sociedade, e muito menos apresentou os contratos (que também não foram encontrados pela investigação). Esta é mais uma das razões que levaram o MP a pedir o agravamento das medidas de coação, considerando existir o perigo de Salgado continuar a falsificar documentação para escapar às acusações que lhe foram feitas pelo MP.

A Operação Marquês é o terceiro processo judicial em que Ricardo Salgado é arguido. A primeira vez que foi constituído arguido foi em 2014, quando foi detido para interrogatório no âmbito da Operação Monte Branco: é suspeito dos crimes de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais.

Um ano depois foi constituído arguido na investigação à falência do BES, por crimes de corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, falsificação de documento, falsificação informática, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Em janeiro deste ano, Ricardo Salgado juntou-se ao conjunto de arguidos da Operação Marquês: a lista é composta por 19 pessoas singulares e nove coletivas. Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, antigos administradores da PT, foram os últimos a ser constituídos arguidos.