Venezuela. Ganhar inimigos, perder aliados

Nicolás Maduro ainda não está totalmente isolado, mas mesmo a frente bolivariana começa a sentir dificuldade em defendê-lo. Brasil e Argentina mudaram de lado, Caracas saiu da OEA e os EUA entram em cena

A Venezuela radicaliza-se. Nicolás Maduro sabe que não há soluções para a severa crise económica sem consequências graves para o oficialismo e, hoje em dia, parece tentar de tudo para adiar as eleições presidenciais do próximo ano – das quais, tudo o sugere, sairá determinantemente derrotado. Ao regime só parecem restar fugas para a frente se quer conservar o poder. Mas a estratégia sai-lhe cara. Tentou no último mês esvaziar o poder dos deputados da oposição, mas a única coisa que conseguiu foi devolver-lhe a autoridade das ruas, passado um ano em que os protestos quase se fizeram esquecer, em parte dada a desilusão com as poucas reformas que a maioria opositora conseguiu fazer aprovar. A mais recente via de fuga foi desvendada na segunda-feira por Maduro, ao anunciar que será criada uma assembleia constituinte, na sua maioria composta por aliados – embora o seu funcionamento seja ainda incerto. A intenção parece ser novamente a de anular o poder da oposição e adiar eleições, embora setores do chavismo o desmentissem ontem, convidando os deputados opositores a participar.

Se o regime parece estar hoje encostado à parede, a oposição continua sem grande margem de manobra e ontem respondia à proposta de Maduro com a mesma ferramenta de sempre: novos protestos em Caracas, desta vez sem mortos, mas com estragos, feridos, veículos e casas em chamas. Os deputados da Mesa da Unidade Democrática (MUD) têm conseguido mobilizar setores da capital habitualmente favoráveis ao oficialismo, como a Petare, por exemplo, favela onde vivem mais de um milhão de pessoas, mostrando que a barragem tradicional do chavismo tem fendas. Mas a conclusão inevitável continua a ser a de que o oficialismo, enquistado em quase todos os centros de poder e sem a aparente oposição do exército, não vai ceder apenas com o peso das ruas.

A esperança da oposição está fora do país. “Nós temos soluções e precisamos das garantias dos governos para impulsionar e fazer com que se tornem realidade”, dizia Julio Borges na última semana. O presidente da Assembleia Nacional tentava convencer a comunidade internacional a entrar em jogo, pressionar Maduro no tema eleições antecipadas e fazer cair um líder que, argumenta, é “uma ameaça regional”. Não é a primeira vez que a oposição venezuelana estende a mão a líderes estrangeiros, nem é certo que consequências podem sair de mais pressão internacional sobre um governo cujo principal álibi é dizer que está sob um golpe externo, mas a verdade é que o governo de Maduro está mais isolado do que alguma vez esteve o seu antecessor.

Mudar alianças

As principais potências económicas sul-americanas abandonaram Caracas que, vendo-se isolada, anunciou na semana passada que vai retirar-se da Organização dos Estados Americanos (OEA), dizendo que esta está a mando dos Estados Unidos. Os aliados do Partido dos Trabalhadores caíram no Brasil e, com eles, um dos principais canais de comunicação entre o governo venezuelano e a administração norte-americana, que está a preparar novas sanções contra figuras do poder em Caracas, incluindo investigações a laços com o tráfico de droga. A dinastia dos Kirchner na Argentina, por seu lado, deu também lugar ao hipercrítico Mauricio Macri. As oscilações faziam-se notar ontem, dia em que o ministro brasileiro dos Negócios Estrangeiros protestou contra a proposta de alteração constitucional de Maduro dizendo que equivale a “um golpe”, e a ministra argentina dos Negócios Estrangeiros repetia o tom desde Buenos Aires, declarando que alterar a Constituição é como “deitar gasolina no fogo” e que o mundo “não pensa que os que morrem nas ruas, independentemente da sua cor política, são venezuelanos”.

Nicolás Maduro perde aliados e ganha inimigos. E não só no Brasil e Argentina. O fiel governo equatoriano mantém-se ao lado de Maduro mas, na recente campanha presidencial, fez o possível por rejeitar comparações com a situação económica e política em Caracas – “o Equador não é a Venezuela”, lançou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Guillaume Long. Mesmo a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), pensada por Hugo Chávez para servir de alternativa à OEA, não conseguiu ontem chegar a uma resolução que apoiasse o governo venezuelano, num encontro convocado por Caracas para discutir a crise. Limitou-se a apelar ao diálogo, o que não impediu que o executivo de Maduro o considerasse um sucesso.