Já não faz sentido falar de ‘geringonça’

A solução de Governo que começou por ser tem-te-não-caias  e que deu origem à famosa designação de ‘geringonça’ – muito bem aplicada, à época, por Vasco Pulido Valente e popularizada por Paulo Portas –  está sólida, estável e com horizonte, no mínimo, até final da legislatura.

Com o apoio reiterado do Presidente Marcelo e com a garantia pública de António Costa de que mesmo num cenário pós-eleitoral de maioria absoluta do PS, por si, voltará a fechar acordo com os atuais parceiros, já não faz sentido falar de ‘geringonça’.

Geringonça é uma coisa mal engendrada que ameaça partir-se ou dar de si, citando Malaca Casteleiro. Ou seja, um conjunto de peças que se encaixam e vão funcionando, sempre com o risco de desencaixar ou de encravar a qualquer momento.

Ora, a máquina socialista que leva atrelados bloquistas e comunistas – e organizações adjacentes (como sindicatos, associações e outros coletivos com cadernos reivindicativos e capacidade de mobilização social) – já não tem nada de ‘geringonça’.

É certo que não é um relógio suíço, embora, como este, se não atrasa, também não adianta.

Vai andando. Assim como o comboio que segue devagarinho, não dá para acelerar, mas também não descarrila. E lá vai a apitar (como o outro).

 

Mal engendrada é que não foi, como está agora mais do que provado.

Ao ponto de já ninguém se lembrar de que quem ganhou nas urnas nas legislativas de 2015 foi Pedro Passos Coelho, mesmo após um mandato de austeridade pura e dura e com todos os sacrifícios que impôs aos portugueses, novos e velhos, ativos e pensionistas, da função pública ou do setor privado.

Tanto assim que o CDS se afastou dele quase de imediato (e Paulo Portas, com a sua rara intuição política, pôs-se logo ao fresco) e o próprio PSD entrou em processo de autoflagelação e em intrigas internas de busca por um novo líder e um novo ciclo.

Valha a verdade, se o clima no país é de estabilidade e de paz social – tirando as manobras ou ameaças bufas do 1.º de Maio –, o clima externo, paradoxalmente, também não podia estar mais favorável para António Costa.

A vitória de Trump nos Estados Unidos e o Brexit provocaram tamanho abanão no mundo e na Europa que a necessidade de repensar e reformar a União Europeia tornou-se obrigatória.

Nesta matéria, o resultado das eleições em França, neste domingo, é decisivo.

A derrota humilhante do candidato socialista na primeira volta das presidenciais francesas podia ser motivo de preocupação para os socialistas portugueses. Não foi. Nem tão pouco houve incómodo algum.

Porque a ameaça maior de Marine Le Pen e a possibilidade de uma vitória da extrema direita em pleno coração da Europa é muito mais relevante. E preocupante.

Macron está longe de ser um génio, tem todos os vícios de um populista oportunista que cortou com o sistema para se apresentar como candidato antissistema e acaba a ter o apoio de todo o sistema.

Ninguém sabe ao certo o que pensa ou o que quer Macron para o futuro da Europa sem Reino Unido e com a Alemanha de Angela Merkel ou de Martin Shulz.

Por enquanto, apenas importa o que Marine Le Pen pensa e quer para a França, que é tudo menos a União Europeia.

No meio de tanta incerteza, e se o BE (e até eventualmente o PCP) ainda sonharam com uma possível passagem à segunda volta de Mélenchon, António Costa está nas sete quintas com Macron. Sobretudo, se Shulz ganhar na Alemanha daqui a uns meses.

E a Europa, entalada entre a Rússia de Putin e a América de Trump e com o Reino Unido autoexcluído, pode, de repente, servir até de alavanca para uma melhor segunda metade do mandato deste Governo português.

Se assim for, António Costa até pode chegar ao final da legislatura com uma popularidade que nunca teve. Com os bloquistas e comunistas à espera de nova boleia, ainda e sempre contando com o afetuoso e cúmplice apoio do Presidente Marcelo e independentemente de quem seja o líder do PSD, Costa segue confortável aos comandos de uma máquina bem oleada que já não tem nada de geringonça.

É certo que este exercício é de pura futurologia, sim.

Mas a verdade é que começa já amanhã, em França, com Emmanuel Macron.