Marcelo Rebelo de Sousa: A minha mãe, Maria das Neves Duarte

Recordar a minha mãe é recordar alguém que marcou profundamente a vida dos três irmãos, o António, o Pedro e eu. 

Como era a mãe? Para todos os filhos, a mãe é sempre a melhor do mundo. E, portanto, era a melhor do mundo. Mas além de ser, por natureza, a melhor do mundo, era efetivamente excecional. Era excecional porque muito inteligente, ao mesmo tempo muito intuitiva, conseguia acumular a inteligência abstrata, teórica, com uma intuição ligada à realidade. Era assistente social. A sua vida profissional, a sua vocação, o seu percurso pessoal passou sempre pela proximidade em relação aos outros. E “outros” muito particulares, porque se tratava de crianças portadoras de deficiência em bairros de lata de Lisboa, nomeadamente no Casal Ventoso. Isso fez dela uma pessoa que juntava o abstrato e o concreto, a compreensão pessoal com o sentido comunitário. E depois aplicou isso na sua vida. Aplicou na família, aplicou na vida pública que acabou por ter, ligada a várias instituições a que chamaríamos hoje IPSS, quer em Moçambique, quer em Portugal, quer, depois, no Brasil, e mantendo uma juventude de espírito até ao último instante da sua vida. Recordá-la é recordar essa força da natureza dedicada aos outros, com uma visão social, muito mais progressista do que conservadora, que esteve sempre, eu diria, na crista da onda daquilo que era, em cada momento, o desafio mais premente, mais arriscado, mas também mais humano.