A Imprensa na mó de baixo…

Os graves problemas da imprensa favorecem objetivamente António Costa

O Presidente aproveitou o simbolismo do 25 de Abril para, num gesto não menos simbólico, receber em Belém os representantes de três dezenas de jornais centenários e condecorar a Associação onde se acolhem, dizendo-se «seriamente preocupado» com a crise que afeta a imprensa. Não é caso para menos.

A explicação para o ‘milagre’ da resistência ao tempo – e a não poucas adversidades – de uma imprensa secular, transversal a várias gerações, tem sido a coragem e a persistência, que Marcelo Rebelo de Sousa também elogiou. Mas essa resistência está numa curva da História.

Mudaram os hábitos de leitura, a escola não cultiva os clássicos, o facilitismo está a formatar jovens para a incompetência. O atual Ministério da Educação está mais virado para as carreiras dos professores do que para a valorização dos alunos. A exigência cede à leviandade e ao improviso. 

Por isso, e por mais genuína que seja a inquietude do Presidente em relação à quebra de vendas dos jornais – conhecendo bem e por dentro as redações -, já será um excesso de otimismo achar que «o Governo está atento a esse problema». Se está, não parece. 

Seria, aliás, uma novidade esse ‘estado de alma’ por parte de um Governo socialista minoritário, quando é certo que, em tempos, eleito com maioria, se empenhou em controlar os media. O SOL que o diga.

Sabe-se como Sócrates tratava quem se lhe opunha. Sabe-se menos de António Costa, salvo quando se ‘distraiu’ e escreveu um sms assanhado a um dos diretores do Expresso. Ficou-lhe de emenda. Tornou-se mais sofisticado. 

A crise que debilita a imprensa constitui um excelente terreno para o Governo plantar as suas conveniências. 

A ‘dança das cadeiras’ nas direções de jornais e de revistas tem sido aproveitada para afastar alguns colunistas incómodos, que se distinguiram por não fazerem coro com a ‘geringonça’. 

Foram substituídos por gente mais obediente e macia, ‘isenta’ da tentação de confrontar governantes com as suas asneiras. 

Esse esforço de ‘normalização’ já abrange o Parlamento. Depois de ter usado e abusado da frase feita «assunto arrumado», sempre que um caso lhe ‘cheirava a esturro’, António Costa nega-se agora a esclarecer a oposição, quando é interpelado e instado a fazê-lo.

Foi o que aconteceu no último debate quinzenal. Viu-se o primeiro-ministro em apuros, a furtar-se à obrigação de explicar aos deputados o motivo da recusa do Governo aos nomes propostos para o Conselho de Finanças Públicas. 

Costa convive mal com órgãos independentes e com os media que não se dobram à sua vontade. E as dificuldades da imprensa favorecem-no. 

A independência dos jornais – como a dos outros media – consegue-se com o equilíbrio das contas. Se os prejuízos são crónicos, a independência dos media é um emblema debotado na lapela. Não existe.

O poder político é hoje servido por uma legião de assessores especializados nos meandros das redações – e nas fraquezas empresariais.

Conta ainda com o beneplácito de ‘políticos-comentadores’ residentes nas televisões –  um fenómeno muito português -, que gerem os seus ‘espaços de antena’  em função de agendas próprias e de ajustes de contas pessoais. 

 Pacheco Pereira, Marques Mendes ou Manuela Ferreira Leite são exemplos acabados desse outro ‘frentismo’ que não poupa as oposições – em particular o PSD e Pedro Passos Coelho -, ‘levitando’ sobre os erros da governação.

Os estúdios passaram a ser o refúgio de políticos desempregados, e de outros no ativo que precisam de se mostrar. O autarca Fernando Medina é um (mau) exemplo destes últimos.

Depois, não faltam os zelotas da CGTP que se ocupam da ‘paz social’ decretada com o auxílio do PCP e do Bloco, e que o PS agradece.

Os desfiles no 25 de Abril e no 1.º de Maio foram a prova dessa imaculada felicidade. Manteve-se o estribilho ‘A luta continua’, mas amputado de ‘Governo para a rua’… 

No meio desta ‘descrispação’, quem se importa com as desventuras de jornais em risco de fechar ou com uma paisagem audiovisual ‘oficiosa’ e sem rasgo?

António Costa tem mais em que pensar. Ganhar as próximas eleições, por exemplo. A fraqueza da imprensa é o seu forte…  

Nota negativa: Em dias seguidos, o Diário de Notícias publicou dois ‘artigos de opinião’. No 1.º de Maio, o de António Costa. No dia seguinte, o de José Sócrates. O primeiro, contra «a precariedade laboral», em simultâneo com o anúncio, em capa no Correio da Manhã, da admissão de 50 mil precários nos quadros da Função Pública. O segundo, contra o Ministério Público, porque «não está a interpretar a lei mas a mudar a lei», enquanto desespera pelo arquivamento do processo. O país assiste, passivo, a este duplo exercício de contorcionismo. E o jornal não se importa…