Atlético de Madrid. “Voar num limite improvável, tocar o inacessível chão”

No último jogo europeu do velho Vicente Calderón, o Atlético de Madrid precisa de uma espécie de milagre para eliminar o Real. Remontadas não é coisa a que esteja habituado

A Maria Bethânia canta: “Sonhar mais um sonho impossível/ Lutar quando é fácil ceder/ Vencer o inimigo invencível/ Negar quando a regra é vender.”

Invencível, invencível, não é. Aliás, Simeone e o seu bando sabem bem que podem bater o vizinho Real Madrid em (quase) todas as circunstâncias, e já o provaram mais do que uma vez. Agora, convenhamos, a tarefa é árdua. Terrível! “Voar num limite improvável…”

Falo da Liga dos Campeões, claro!, e do jogo que terá lugar na próxima quarta-feira no Vicente Calderón, o último no histórico recinto para as taças europeias. Aliás, do lado do Atlético de Madrid, é tempo de passar um pano do pó pelas páginas brilhantes das, como gostam de dizer os espanhóis, remontadas históricas. Que não foram muitas em 47 presenças do Atlético nas provas da UEFA.

Aragonés. Luis Aragonés. Podemos recordá-lo agora como o treinador que tirou a seleção de Espanha daquele limbo de nada ganhar e a devolveu à dimensão que o seu enorme futebol merece. Mas, muito antes disso, foi jogador do Atlético de Madrid durante dez épocas a fio. Curiosamente, também foi jogador do Real (de 1958 a 1961).

No dia 2 de outubro de 1970, o Calderón engalanava-se para receber os italianos do Cagliari, que tinham sido, no ano anterior, campeões de Itália pela primeira vez. Não sabiam ainda que seria a única até agora. Uma equipa de enormíssima qualidade, com Albertosi, na baliza, e Domenghini, Gigi Riva, Boninsegna, Niccolai e Gori. Oitavos- -de-final da Taça dos Campeões Europeus. Os colchoneros tinham perdido na Sardenha por 1-2. Aragonés arrasou: três-golos-três! Uma vitória histórica, ao tempo. Três a zero. É um daqueles momentos que os adeptos do Atlético gostam de recordar. Mesmo que, neste momento, 3-0 ao Real Madrid só lhes garantisse, no mínimo, um prolongamento, depois de Cristiano Ronaldo também ter tido a sua noite de três-golos- -três na primeira mão desta meia-final tão madrilena.

A verdade é que o Atlético de Madrid não tem assim muitas reviravoltas, para usar um termo mais português, das quais se gabar e fazer alarde. Ainda a semana passada, depois da derrota bruta no Santiago Bernabéu, o jornal “Marca” dedicava-se a esta contabilidade europeia: 1962/63, Nuremberga, 1-2 e 2-0; 1970/71, Cagliari, 1-2 e 3-0; 1974/75, Copenhaga, 2-3 e 4-0; 1976/77, Levski Spartak, 1-2 e 2-0; 1977/78, Dínamo de Bucareste, 1-2 e 2-0; 1998/99, Real Sociedad, 0-1 e 4-0; 2008/09, Shalke 04, 0-1 e 4-0.

Um pecúlio sem espantos por aí além.

Golos??? Assim mesmo, com pontos de interrogação. Nunca na história das provas europeias o Atlético de Madrid se distinguiu por goleadas que provocassem sensação. Esse 4-0 ao Shalke 04 (feliz encontro…) é, seguramente, a mais brilhante de todas elas, mesmo não querendo desvalorizar um 7-2 ao Fylligen Bergen (1991), um 6-1 ao Maribor (1992) ou um 5-0 ao Malmö (2014). Por isso, não haverá muito cabo de esperanças ao qual os seus apaniguados se possam agarrar como motivação para a empreitada que lhes surge agora pela frente.

Tenho muitas dúvidas que o mundo vá ver uma flor brotar do impossível chão, mas já agora, ao correr da pena, fica a lembrança de uma tarde de gala no Calderón que agora diz adeus. Este mesmo Atlético de Simeone infligiu ao Real Madrid de Ronaldo uma das suas mais recentes humilhações: 4-0. Quatro a zero! Golos de Tiago, Saúl, Griezman e Mandzukic. De se lhe tirar o chapéu e atirá-lo para a arena. Ou melhor, para o relvado. Foi no dia 7 de fevereiro de 2015. Para a Liga espanhola. Koke veio, no final da primeira mão, avisar os merengues que sabiam como os espancar. Embora as circunstâncias sejam tão diferentes, o alerta ficou. Mas que seria de abrir a boca da Europa de incredulidade, isso seria. Quarta-feira, palavra aos rapazes das riscas vermelhas e brancas como as dos velhos colchões de palha de casa dos avós. Colchoneros, os que vão ver vos saúdam!