Morreu o jornalista que eternizou a pergunta ‘Onde estavas no 25 de Abril?’

Armando Baptista-Bastos morreu ontem aos 83 anos no Hospital de Santa Maria, onde esteve internado nas últimas semanas.

Morreu o jornalista que eternizou a pergunta ‘Onde estavas no 25 de Abril?’

Era uma das figuras míticas retratadas pelo humorista Herman José. Jornalista há mais de 60 anos, cronista e escritor, Armando Baptista-Bastos morreu ontem, em Lisboa, aos 83 anos, depois de ter estado internado várias semanas no serviço de Pneumologia do Hospital de Santa Maria. Estava a trabalhar nas suas memórias, revelou ao “Público” Marcelo Teixeira, o seu editor na Oficina do Livro e nas Edições Parsifal.

Assumia-se como “brigão” e “respingão”, não tendo qualquer arrependimento sobre isso, de acordo com a sua última entrevista ao “Jornal de Negócios”, com data de 14 de fevereiro de 2014, onde foi cronista. De acordo com o mesmo jornal, a sua relação com o dinheiro era despegada, admitindo não ter noção do seu valor.

Jornalista desde os 19 anos, é longa a lista de jornais, muitos deles já extintos, por onde passou Baptista-Bastos, que nasceu em Lisboa, em 1934. Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e no Liceu Francês, e publicou o seu primeiro romance, “O Secreto Adeus”, em 1963.

Trabalhou nos jornais diários já extintos “República”, “O Século” e “Diário Popular”, onde na década de 1960 manteve a rubrica semanal “Letra de Repórter”. Foi ainda fundador do semanário “O Ponto”, no qual “realizou uma série de 80 entrevistas que assinalaram uma renovação naquele género jornalístico e marcaram a época”, segundo a biografia disponível do “Jornal de Negócios,” onde o texto mais recente que assinou como cronista data de 3 de março.

Trabalhou mais de 40 anos no “Diário de Notícias” e, posteriormente, passou pela Rádio Televisão Portuguesa (RTP), pelo Rádio Clube Português, pela Rádio Comercial e pela RDP-Antena 1.

Na SIC foi autor do programa “Conversas Secretas com Baptista-Bastos”, tendo entrevistado vários convidados a quem perguntou “onde estava no 25 de Abril?”. Foi esta a base para a personagem criada por Herman José, Artista Bastos, que fazia parte do programa de humor “Herman Enciclopédia” nos anos 90.

Estreou-se editorialmente com o ensaio “O Cinema na Polémica do Tempo” (1959), a que se seguiu outro ensaio, “O Filme e o Realismo” (1962). É autor de mais de duas dezenas de livros. Entre os mais recentes cite-se “A Bolsa da Avó Palhaça”, o livro de crónicas “A Cara da Gente” e “As Bicicletas em Setembro”.

Ao longo da sua carreira como autor conquistou vários prémios, entre os quais o Prémio Literário Município de Lisboa, em 1987, pelo romance “A Colina de Cristal”, que lhe valeu também o Prémio P.E.N. Clube Português de Ficção, no ano seguinte.

Em 2002 recebeu o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários pela obra “No Interior da Tua Ausência” e, um ano mais tarde, venceu o Grande Prémio de Crónica da Associação Portuguesa de Escritores pelo livro “Lisboa Contada pelos Dedos”.

Nos últimos anos foi crítico do jornalismo, destacando a falta de espaço para os cronistas na comunicação social. “A crónica, que é um compromisso entre a notícia e o conto e um produto de altíssima expressão literária, típico da imprensa escrita, está hoje arredada dos jornais”, disse à Lusa.

Para o jornalista e escritor Mário Zambujal, seu amigo há mais de 50 anos, Baptista-Bastos foi “um brilhante polemista, um homem acentuadamente de esquerda” e “um combatente”, além de “um grande prosador e escritor de muita qualidade”.