Salvador Sobral. E depois do adeus

Multiplicam-se os concertos e os bilhetes esgotam com meses de antecedência. “Amar pelos Dois” chegou a todo o mundo e suscitou um interesse recreduscente pela não-personagem. Até onde pode ir Salvador Sobral? Ninguém sabe mas quem com ele trabalha defende que se abriram “as portas do mundo”

“Ainda não sei bem como vou lidar com isto. Espero conseguir fazer as coisas com tranquilidade, continuar a tocar. Se calhar temos de cobrar um bocadinho mais pelos concertos”. Com ironia, Salvador Sobral reagiu à vitória inédita na Eurovisão ao ver centenas de pessoas à espera na Aeroporto da Portela.

A canção bem avisava: “Meu bem, ouve as minhas preces/ Peço que regresses, que me voltes a querer”. Para Kiev, viajou a esperança de um país. Da Ucrânia, voltou um herói nacional. Consciente do facto mas lúcido na interpretação. “Sei que estas coisas são efémeras, e ainda bem. O que tenho de fazer é a minha música e tocar por aí”, comentava na conferência de imprensa que se seguiu ao triunfo na Eurovisão.

E “tocar por aí” é amar pelo país. Entre concertos confirmados e por anunciar, há 17 paragens garantidas a começar já este sábado com um espetáculo gratuito em Marco de Canavezes no Festival Confluências. Depois há o Centro Cultural do Cartaxo (dia 26), Centro de Artes de Ovar (dia 27) e Casa da Cultura de Ílhavo (dia 10 de junho). Todos esgotados, segundo informações das bilheteiras online. Um quadro a repetir-se em Julho com atuações no Centro Cultural de Belém, em Lisboa (2 de julho), na Casa da Música, no Porto (5 de julho), e Convento de São Francisco, em Coimbra (8 de julho). Além de “Amar pelos Dois”, Salvador Sobral tem para apresentar as canções de “Excuse Me”, álbum pop jazzístico do ano passado. Acompanham-no em palco o co-produtor Júlio Resende (piano), André Rosinha (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria).

Contactada pelo i, fonte da editora confirma a recepção de “pedidos de todo o mundo” mas adverte que, nesta fase, “ainda ninguém sabe o que pode acontecer”, reforçado que, para já Salvador Sobral “precisa acima de tudo de descanso” em face do esforço enorme feito não só em Kiev, para onde viajou apenas dois dias antes da meia-final, mas também no último mês, desde as eliminatórias de apuramento para a final do Festival RTP da Canção.

“É preciso ver que ele tem um problema de saúde que é público. Isso obriga a uma gestão muito cuidada”, enfatizou a mesma fonte sem, no entanto, conter o mesmo entusiasmo por se terem “aberto as portas do mundo”.

“Ainda é tudo tão recente que não houve tempo para fazer planos”, refere, mas Salvador Sobral “chegou realmente a todo o lado”, continua a mesma fonte. E não apenas “Amar Pelos Dois”, escrita pela irmã Luísa Sobral, a primeira desencaminhadora do bom caminho tomado pela canção.

Na plataforma Last.Fm, ultrapassou Kendrick Lamar, Miley Cyrus e Paramore e é agora a mais ouvida do mundo, segundo a métrica desta rede. De acordo com um estudo da Cision, em apenas três dias – entre as duas semi-finais da Eurovisão – Salvador Sobral gerou 1.641 notícias online em todo o mundo – Portugal excluído onde lidera há duas semanas. Só na Alemanha foram publicadas 382 notícias, quase o dobro da Espanha, o segundo país onde Salvador foi mais falado – antes da final do concurso, Sobral e o concorrente espanhol Manel Navarro cantaram juntos nos canais públicos das televisões portuguesa e espanhola.

Nas redes sociais, sucederam-se as reações de personalidades com relevo internacional. Caetano Veloso apelou ao voto e o desejo realizou-se. Meryl Streep deu os parabéns através do Twitter. E JK Rowling, que em tempos viveu em Portugal, atribuiu-lhe favoritismo. Mais tarde, a autora deu os parabéns a Portugal, e assumiu ainda ser capaz de cantarolar “Amor d’água fresca”, a canção que Dina levou à Eurovisão em 1992. A viver nos EUA, Daniela Ruah celebrou de forma efusiva. E tanto o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, como o Primeiro Ministro António Costa, saudaram a vitória. Até a Comissão Europeia, através da porta-voz Margaritis Schinas, fez questão de deixar uma palavra, recordando o facto de ter sido um estudante Erasmus em Palma de Maiorca. Tudo somado, a conclusão é inevitável: “agora as pessoas já querem saber quem é Salvador Sobral. Vão ouvir o álbum. É normal”, reconheceu a fonte.

Antes da consagração, Sobral já se mostrava preparado para as consequências do feito. “Muitas das salas que me haviam recusado, agora ligam-me a dizer que têm vagas já em abril”, confessou numa sessão com os meios de comunicação. E na E na chegada a Lisboa já com o troféu na mão, manteve o discurso: “só quero viver uma vida sossegada. Espero que isso possa acontecer, tenho a certeza que sim. Talvez no princípio seja um pouco agitado”. declarou. O título de herói nacional recusou-o, passando a bola para o astro maior da bola. “Isso é para o Ronaldo”, foi a resposta. Ainda assim, há um antes e um depois de sábado. “Nós termos ganho com uma canção assim pode querer significar mudança. E foi sempre assim que eu encarei o concurso. Eu tive momentos, e eles sabem… sentia que me prostituía por estar ali, que não tenho nada a ver com isto, o que é que eu estou aqui a fazer… O que me trazia de volta era pensar que estava numa missão musical”, defendeu, referindo-se à reação desconfiada quando recebeu o convite. E antes em entrevista ao “Alta Definição”, advertia: Se há saúde, é o essencial”.

Na edição deste ano, vários escritores de canções da música pop contemporânea foram convidados a compor. E assim surgiram nomes como os de Noiserv, Pedro da Silva Martins (Deolinda), João Pedro Coimbra (Mesa), Nuno Gonçalves (The Gift), Márcia, Celina da Piedade e os Virgem Suta, além de Luísa Sobral.