Cannes. Coppola, Lynch e (a polémica) Netflix

Até dia 28, Cannes volta a receber o mais importante dos festivais de cinema, para a sua 70.ª edição, que arranca hoje, com “Ismael’s Ghosts”, do francês Arnaud Desplechin

Notícias há muitas e a abrir a edição de 2017 de Cannes, que acontece ser a 70.ª, haverá para todos os gostos. Sobre o troféu da Palma de Ouro que, em jeito comemorativo, vem este ano assente numa nuvem de diamantes, sobre quem anda a vestir o quê na chegada, ou a badalada polémica sobre a entrada, pela primeira vez, de filmes com distribuição por serviços de streaming como a Netflix no festival. Sinal dos tempos que foi mais mal do que bem recebido e que o diretor do festival, Thierry Frémaux, justificou com uma abertura que julga necessária.

Sobre filmes, que é sobre isso um festival de cinema, abre esta edição com o último filme de Arnaud Desplechin, “Ismael’s Ghosts”, com Charlotte Gainsbourg e Marion Cotillard. A lista dos filmes que integram a Seleção Oficial pode não ser a mais empolgante – destaque para “Happy End”, o mais recente filme do austríaco Michael Haneke, “L’Amant Double”, de François Ozon, o remake do aclamado thriller “The Beguiled”, por Sofia Coppola, “Geu-Hu (The Day After”, de Hong Sangsoo, ou o último de Yorgos Lanthimos, “The Killing of a Sacred Deer” – mas neste início da era Trump (e logo depois do susto que foram as últimas presidenciais francesas) esta será das edições mais políticas que se viram nos últimos anos.

Basta olhar, por exemplo, para a escolha de “120 Battements Par Minute”, do realizador francês nascido em Marrocos Robin Campillo para a Seleção Oficial, imagens do icónico Silence=Death na luta dos homossexuais em França no princípio da década de 1990. Ou para o já referido novo filme de Haneke, drama protagonizado por Isabelle Huppert e Jean-Louis Trintignant com Calais como pano de fundo. Serão 18 filmes ao todo em competição pela Palma de Ouro, a maior parte de realizadores repetentes no certame francês.

Na edição que terá a presidir ao júri Pedro Almodóvar, “ícone flamejante do cinema espanhol e um realizador célebre em todo o mundo”, assim descreve a direção do festival o realizador espanhol que recentemente teve a sua obra em retrospetiva no MoMA de Nova Iorque, haverá ainda para ver o novo projeto de Sean Baker, realizador do aclamado “Tangerine”, chamado “The Florida Project”, com nada mais nada menos do que Willem Dafoe como protagonista, o último filme deixado pelo iraniano Abbas Kiarostami, que morreu no ano passado aos 76 anos “24 Frames”, projeto experimental a preto e branco exibido numa sessão especial. Ou, também numa projeção especial, o aguardadíssimo regresso de “Twin Peaks”, de David Lynch. E, fora da competição, “Carne y Arena”, “instalação virtual em três atos” pelo mexicano Alejandro G. Iñarritu.

E o cinema português

Depois de em Berlim Teresa Villaverde ter estreado “Colo” na Competição, o cinema nacional pode não ter chegado à Seleção Oficial do certame francês mas são quatro os filmes portugueses a estrear nas paralelas Quinzena dos Realizadores e Semana da Crítica.

Na primeira, duas curtas, “Água Mole”, animação realizada por Laura Gonçalves e Xá (Alexandra Ramires), e “Farpões, Baldios”, de Marta Mateus. Junta-se a longa-metragem “Fábrica de Nada”, de Pedro Pinho com produção da Terratreme, que se apresenta como um “convite para repensar o papel do trabalho num tempo em que a crise se tornou a forma dominante de governo”. A curta-metragem parte da história de um grupo de operários que, ao perceber que a administração da fábrica está a roubar máquinas e matérias-primas, decide organizar-se para proteger a empresa e impedir o deslocamento da produção mas, em retaliação, acaba forçado a permanecer nos postos de trabalho sem trabalho na verdade, enquanto são negociados os seus despedimentos.

Na Semana da Crítica estreia, numa sessão especial a curta-metragem “Coelho Mau”, de Carlos Conceição, uma coprodução da jovem produtora Primeira Idade com a francesa Epicentre Films, ficção centrada nas relações entre dois irmãos, uma mãe ausente e o seu amante, com as interpretações de Carla Maciel, João Arrais, Júlia Palha e Matthieu Charneau, e ainda a nova longa-metragem da chilena Marcela Saïd, “Los Perros”, co-produzida também pela portuguesa Terratreme, que regressa com as suas produções às secções paralelas do Festival de Cannes pelo terceiro ano consecutivo.