Não há dias assim

Dizia-me um amigo benfiquista, com ironia, que, se por dois acasos o Sporting tem perdido em Santa Maria da Feira, sábado passado teria sido um dia perfeito. Foi.

Começou com a canonização dos dois irmãos Marto, Jacinta e Francisco, de manhã, em Fátima, e acabou com a glorificação dos irmãos Sobral, Salvador e Luísa, à noite, no Festival da Canção, na Eurovisão. De permeio, o Benfica goleou o Vitória de Guimarães num magnífico jogo de futebol, e depois, até de madrugada, houve a festa dos campeões nacionais.

Os riscos eram altíssimos. Quase um milhão de peregrinos, pela manhã, para ver o Papa em Fátima, umas largas dezenas de milhar, à tarde, para assistir ao Benfica-Guimarães, no Estádio da Luz, e umas centenas de milhar, noite dentro, no Marquês de Pombal (mais uns ajuntamentos país fora) para as celebrações do ‘tetra’.

Polícia, serviços de estrangeiros, militares, informações, todos discretamente mobilizados – incluindo a Guardia Civil espanhola, que deu apoio no encerramento das fronteiras e deslocou alguns efetivos para Fátima (na foto). Com tudo planeado ao pormenor. E com uma eficácia impressionante. A Inteligência e a Segurança nacionais estiveram impecáveis. Muito para além do que foi visível.

O trânsito na A1 e estradas nacionais e municipais que ligaram o Santuário ao resto do país e do mundo – porque lá estiveram peregrinos de variadíssimas nacionalidades – fluiu com normalidade, nas imediações do estádio da Luz também e a organização da festa do Marquês foi meticulosamente preparada para evitar a repetição dos incidentes de anos passados e prevenir qualquer desgraça maior.

Claro que a operação de segurança da visita do Papa Francisco, só por si, obrigou a cuidados extremos.

Do corte dos acessos ao Santuário, ao fecho de fronteiras, limitação do espaço aéreo, controlo marítimo, uma megaoperação com a virtude de quase ter passado despercebida – a quase  todos, menos a quem regressou a Portugal por terra no sábado e teve de esperar uma boa hora até que a revista ao carro e ocupantes fosse devidamente cumprida.

Também no Marquês houve corte dos acessos de todas as avenidas e ruas que começam ou acabam na rotunda, com recurso a blocos de betão para impedir até qualquer tentativa daquelas que já se viram noutras paragens, revista individual, fiscalização e vigilância permanentes. 

Não obstante, apesar de duas dezenas de detidos por posse de material pirotécnico, ainda assim passaram umas tochas e uns cartuchos.

Em Fátima, logo na viagem do Papa entre a Base Aérea de Monte Real e o Santuário, também passou o herege provocador com um cartaz com o número dito da residência de Satanás (na foto).

É certo que os caças que escoltaram o Papa tinham o lema dos Falcões da Força Aérea gravado e bem visível – ‘Guerra ou Paz tanto nos faz’ – e não teria ficado mal, atenta a missão, ter dado uma pequena pintura de ocasião.

Mas nada disso teve verdadeira importância.

Porque, não fora uma queda acidental e fatal de um sexagenário na Covilhã, durante as comemorações do feito benfiquista, tudo teria corrido na perfeição.

E melhor, de facto, era quase impossível.

No Festival da Canção da Eurovisão, por exemplo, os seguranças destacados para aquela megaprodução não conseguiram evitar que um cidadão australiano subisse ao palco quando atuava uma das vedetas locais ucranianas e, perante as câmaras, em direto e para o mundo, baixasse as calças e mostrasse o traseiro (na foto).

O jovem interprete australiano ainda foi à conferência de imprensa final pedir desculpa pelo sucedido e vincar que o pateta exibicionista nada tinha a ver com a imagem e o comportamento dos australianos.

Pouco importou, porque já a hora e os holofotes eram do jovem artista português que conquistou a Europa, o voto do júri, o voto do público, as redes sociais e o reconhecimento generalizado, em Portugal e além fronteiras.

Salvador, timidamente, reclamou que a Eurovisão, que tanto investe no Festival e que fatura milhões, bem podia dar um prémio ao vencedor que não fosse só e apenas um microfone de cristal e fama. 

E devia (imagina-se a faturação só em chamadas de valor acrescentado – em Portugal, 60 cêntimos mais IVA), independentemente dos cachets que o ex-betinho que virou cuidadosamente descuidado naturalmente passará a cobrar.

Salvador tem graça. E talento. E boa música. E o amor à vida e à família, o ar frágil, mas calmo, antivedeta e feliz tornam-no mais cativante.

E porque, na verdade, não há dias assim, até apetece perguntar (homenageando Baptista-Bastos, jornalista-cronista-escritor-contador de histórias que faleceu na terça-feira 9 de maio): Onde estavas no 13 de maio?

Muitos milhares de portugueses, como António Costa, em Fátima de manhã, na Luz à tarde e com Salvador à noite.

Esse sábado, de facto, foi um dia como não há. 

E não só para os benfiquistas. 

Mas para todos os portugueses que gostam de paz e de Portugal. Incluindo os Falcões.