Quem seria o Macron português?

O SOL falou com académicos e analistas. A equação não é fácil. Num Portugal em que nenhum partido consegue uma maioria absoluta há mais de dez anos, o centro vai-se reinventando, mas a combinação ‘macroniana’ anda longe. Será para sempre? 

A pergunta é inevitável. Numa Europa em que o 'centro' político se vê em dificuldades para conviver consigo mesmo e com a União Europeia, Emmanuel Macron derrotou os populismos – à esquerda e à direita – e conquistou um eleitorado seu com um movimento independente.

Em Inglaterra, onde há eleições parlamentares à porta, o centro-esquerda de onde Macron também é oriundo inveja a popularidade do novo presidente francês. Ele é tudo aquilo que Jeremy Corbyn não é: jovem, moderno, moderado e eleitoral.

Em Portugal, todavia, a pergunta difere. Sendo a excepção europeia no que diz respeito à decadência dos partidos socialistas/trabalhistas – Costa, no fim de contas, está no poder e em ascensão nas sondagens – o PS português não enfrenta as dificuldades vistas noutras paragens defensoras da ideologia social-democrata propriamente dita. Tal não quer dizer que o projeto europeu prossiga popular junto dos portugueses – antes pelo contrário – ou inquestionável junto do espectro político: basta ler o programa partidário de quem suporta o governo.

Por outro lado, com a cidadania algo ressentida com a Europa após um período de resgate financeiro, é também importante realçar que os partidos do 'centrão' ou que se dizem de centro-direita e de centro-esquerda – aqueles que apelam ao 'centrismo' como Emmanuel Macron – já viveram melhores dias em Portugal. A abstenção crescente e o facto de nem PSD nem PS conseguirem uma maioria absoluta há mais de dez anos prova o ponto.

«Até ao momento, os partidos tradicionais têm exibido uma significativa resistência em Portugal, que contrasta com o desgaste verificado em vários outros países europeus», nota André Azevedo Alves, director do centro de sondagens da Universidade Católica. «Essa erosão tem sido especialmente patente à esquerda, com o colapso ou as fortes perdas dos partidos socialistas tradicionais em países como a Grécia, a França, a Espanha ou o Reino Unido», confirma o também professor do Instituto de Estudos Políticos.

Por cá, a política não tem os sorrisos ou a mobilização que se vê em Paris: ninguém prevê Passos Coelho ou António Costa subirem a um palco no Terreiro do Paço sob o som d'A Portuguesa e do hino da União Europeia como Macron fez sob A Marselhesa e a Ode à Alegria.

Mas quem seria o Macron português?

Azevedo Alves não descarta a possibilidade, pois «ainda que o fenómeno não se tenha manifestado até agora em Portugal, a possibilidade de tal acontecer não pode ser excluída, até porque há sinais de desconfiança e insatisfação do eleitorado com o sistema partidário».

No capítulo dos independentes, o nome automático é Rui Moreira.

«Em termos individuais, o único fenómeno com algumas semelhanças (mas também várias importantes diferenças) em Portugal é o de Rui Moreira. Nesse sentido, a recente ruptura com o PS reforça o carácter independente do seu movimento e uma vitória convincente nas próximas autárquicas no Porto poderá acarretar – ou pelo menos tornar plausíveis – implicações nacionais a médio prazo», termina o académico escutado pelo SOL.

Nuno Garoupa, antigo presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos e professor universitário, segue nesse sentido mas com diferentes conclusões. «O Macron português só poderia ser Rui Moreira mas a situação está hoje mais complicada do que ontem, porque nunca deveria ter entrado em conversações com o PS».

Garoupa considera ao SOL que «não há ninguém nos partidos atuais que tenha a menor capacidade para criar um En Marche! [movimento de Macron]».

«Ninguém tem credibilidade para isso. Não há um ministro da coligação PàF [PSD/CDS] ou do atual PS que tenha o perfil político de independente para formar um movimento vencedor», atira o professor. «Puras cisões partidárias em Portugal foram todas condenadas ao fracasso, da ASDi [Ação Social-Democrata Independente, que dissidiu de Sá Carneiro em 1980] à Nova Democracia, de Manuel Monteiro».

Do ponto de vista da crebilidade é Alexandre Homem Cristo, analista político, que também coincide no ponto: «Macron é um liberal, tem agenda reformista e é um crítico do sistema político. Há mesmo em Portugal quem queira seguir esse caminho? Seria interessante de ver, mas não há ninguém com credibilidade política para ocupar esse lugar».

Homem Cristo avisa até que «a novidade entusiasma só por si e não é certo que o entusiasmo dure».

«O sucesso não se copia em lado nenhum. Macron é um produto do seu contexto, tal como Obama, Thatcher, Clinton, Blair, Tsipras são produtos do seu contexto. Quantos políticos quiseram encarnar a versão portuguesa destas figuras internacionais e falharam redondamente?», inquire, em jeito de conclusão.

Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, é ainda mais céptico sobre a possibilidade.

Primeiro, porque «não elegemos directamente o chefe do executivo», o que cria mais oportunidades para fenómenos extra-partidários e personalistas». Segundo, devido ao facto da capacidade que Macron teve de «capitalizar com o descontentamento em relação a Hollande e penetrar pelo eleitorado do PS francês com um discurso de propostas de cariz liberal e “reformista”» ser maior do que aquela que um candidato semelhante em Portugal teria. E terceiro, por «não existir semelhante descontentamento em Portugal».

«Mesmo que por alguma razão esse descontentamento se instale, o eleitorado do PS francês era maioritariamente composto por trabalhadores qualificados, com elevadas competências. O eleitorado dos partidos de esquerda em Portugal, PS incluído, é mais heterogéneo do ponto de vista sociológico e tem alguns segmentos muito pouco atraídos, para dizer o mínimo, por esse tipo de discurso e propostas», avalia o académico português.

«A experiência do governo anterior em Portugal terá consolidado ainda mais essa hostilidade a um discurso economicamente “liberal”, logo, não estou a ver como um “Macron português” atrairia facilmente o eleitorado do PS. Na verdade, nem sequer uma grande fatia do eleitorado dos partidos de direita em Portugal é sensível a esse discurso», vaticina Magalhães, em declarações ao SOL.

Se a resposta no que diz respeito aos independentes é relativamente consensual, o campo alarga quando se entra nos vários partidos que poderiam servir de trampolim. Afinal, foi isso que Emmanuel Macron fez ao Partido Socialista Francês. De assessor para chefe-de-gabinete de Hollande, de adjunto para ministro socialista, de ministro da Economia para presidente independente.

Com Eurico Brilhante Dias, do PS, mais chegado à 'geringonça' que o antecipado, há outra parlamentar dos socialistas que se destaca pelo seu europeísmo e abertura ao livre-comércio, embora sem grande notoriedade. É Lara Martinho, defensora da União Europeia e dos acordos comerciais como modo de manter a globalização justa. Fonte da bancada socialista que se reservou ao anonimato revela mesmo: «Ela é uma 'free-trader', uma 'atlântista'». Como Macron.

Noutra perspetiva, Miguel Morgado, do PSD, tem outros pontos em comum com o mencionado. «Ele também veio da academia, da filosofia política, e também defende a necessidade de reformas europeias e alargadas, nisso talvez sejam muito parecidos. O Miguel Poiares Maduro é outro bom exemplo», diz ao SOL uma deputada laranja. Morgado é vice-presidente da bancada social-democrata, precisamente com o pelouro dos Assuntos Europeus. Poiares Maduro regressou à universidade, para dar aulas.

Sobre o modo como não deixou a má popularidade de um governo afetar-lhe o percurso, talvez Assunção Cristas seja o caso mais fulgrante de 'macronismo' português. Ex-ministra de destaque num governo de austeridade, é hoje uma  líder de partido defensora de grandes obras públicas e distanciada do então parceiro de coligação. Hoje, para Assunção, as manifestações contra os impostos do executivo PSD/CDS parecem importar tanto quanto os protestos contra a lei laboral de Macron enquanto ministro: nada.

Em termos etários e programáticos, ainda no CDS-PP, Adolfo Mesquita Nunes e a sua visão assumidamente liberal da economia poderão ter semelhanças com o centrismo de En Marche!, mas especialistas académicos ouvidos pelo SOL preferem um paralelismo com um partido de maior preponderância eleitoral.

«Teria que vir de um dos grandes partidos: ou do PSD ou do PS», refere Lívia Franco, professora na Universidade Católica de Lisboa. «De fora, mas de dentro, que tenha tenha a legitimidade de ser de fora e vir corrigir os vícios e a corrupção das famílias tradicionais, sendo evidente que só se consegue fazer isso com apoios (de grupos ou tendências) de dentro dessas famílias».

«O ónus está na opinião pública e no eleitorado, que estão insatisfeitos com os partidos do centro», avalia a académica. «Em Portugal, a idade é o principal entrave, como só se tivesse estatuto para ter seguid0res no domínio da política quando depois dos 55 anos». Emmanuel Macron tem 39.

«É uma combinação difícil de conseguir em Portugal: moderno, cosmopolita e jovem, mas carismático o suficiente para ter apoio popular», termina, ao SOL.