Campeonato. Este pequeno universo provinciano entre os astros…

Jornada sobretudo para descer, depois de o Benfica ter puxado o lustro aos galões de campeão para não perder no Bessa. Moreirense garante a permanência vencendo o FC Porto. O Arouca, que era dos três o que estava melhor, foi ultrapassado pelo Tondela

O fim chegou, vago e manso, como se esperava. Do campeonato, digo, que fica ainda a faltar a festa popularucha da final da Taça de Portugal, ali ao Jamor, no Estádio Nacional, agora já menos questionado pelos parolos bacocos do costume, até porque a distância dos jogos decisivos parece fazer bem ao bom senso.

O Benfica, campeão de véspera, foi ao Boavista como que repetir o jogo da primeira volta, vendo-se a perder (na Luz por 0-3, no Bessa por 0-2), mas recuperando até ao empate, coisa de somenos importância, dir-se-ia, não fosse evidente toda a vontade exibida pelos jogadores de não saírem do Porto derrotados, bem visível na forma como comemoraram o golo de Kalaica, um jovem que promete surgir em breve com mais regularidade nas convocatórias do primeiro team.

Somenos importância dirão uns e outros, sentados no conforto mole do seu sofá ou nas tertúlias dos cafés, porque depois dos 5-0 ao Vitória de Guimarães, com exibição de encher o olho, seria uma saída de sendeiro a derrota frente aos axadrezados. A despeito de ter apresentado uma equipa que não deve ter jogado junta nem nos treinos, Rui Vitória não negou o nome de família. Foi vê-lo irritado e fervilhante quando começou a perceber que tudo estava a correr demasiado mal. É que, depois do segundo golo boavisteiro, poucos seriam os que acreditavam na reviravolta. Poucos mas bons, como se diz em português escorreito. Não abdicando de fazer toda a sua rapaziada campeã nacional, o técnico dos encarnados teve espaço para jogar com Mitroglou e Raúl Jiménez o tempo suficiente para que a sua audácia desse frutos.

Saiu, portanto, o campeão do campeonato sem rombos desagradáveis. E pode agora, tal como o Vitória de Guimarães (batido em casa por um mais do que surpreendente Feirense), engalanar-se para o fecho decisivo da época, se deixarmos de lado destas contas os play-offs da ii Divisão, que ainda irão decidir o destino de muitos e bons clubes.

Ascensorista Oliveira

O Portimonense do sempre a subir Vítor Oliveira, ascensorista de sentido único, segurou o título da ii Divisão e contará, para a próxima época, com a companhia do Desportivo das Aves, que lutou até ontem pela distinção.

Do Nacional da Madeira já se conhecia o destino secundário. Desceu sem apelo nem agravo, perdendo até ao fim, como aconteceu nesta última jornada, na Choupana, frente ao Vitória de Setúbal. E, assim, na ilha de Zarco houve o riso e as lágrimas. Riso para o Marítimo (fazendo o ponto que lhe faltava em Paços de Ferreira, 0-0), de volta às lides europeias, à custa de um Rio Ave que apresentou mais uma vez, contra o Belenenses, a face alegre que o seu astuto treinador, Luís Castro, lhe deu.

Moreirense e Tondela – e Arouca, não nos esqueçamos – entravam para a jornada derradeira com a espada do velho Dâmocles, esse insuportável puxa-saco do tirano Dionísio de Siracusa, pendente sobre a cabeça e presa, como diz a lenda, por um fio de crina de cavalo. Pode dizer-se que, todos eles, jogavam contra adversários com a classificação definida desde há tempos. E diga-se: afinal, é a mais pura das verdades. Mas tal como o Benfica no sábado, no Bessa, fez questão de não deixar arrastar pela poeira a sua capa púrpura de campeão recente e multiplicado, Braga, FC Porto e Estoril, respetivamente, não estariam também pelos ajustes no que respeita à sua honradez. Claro que o medo dá asas, como bem sabemos, e isso refletiu-se na forma como os candidatos a condenados se apresentaram em campo.

Passamos, por isso, ao jogos dos radinhos de pilha, embora seja coisa que já passou de moda. Em Moreira de Cónegos, no Estoril, em Tondela. Todos atentos aos resultados dos outros.

O Moreirense, sedento de um empate, cedo se pôs a fancos. Ganhou vantagem, duplicou vantagem, perdeu vantagem e reganhou vantagem. Três a um ao FC Porto não deixará nunca de ficar bonito no historial do clube. Manutenção garantida com brilho e honra. Sobravam dois para o lugar maldito acima do Nacional. Dissemos há três parágrafos: não esquecer o Arouca. Pois foi mesmo o Arouca, o que dos três parecia mais confortável, que desceu. A conjugação da sua derrota no Estoril e da vitória do Tondela sobre o Braga ultrapassou os três golos que tinha à maior.

Terrível a gadanha que tira uma equipa ainda há pouco europeia da divisão maior do futebol. Podemos entrar pela noção dos passos maiores do que as pernas, mas também será tempo para isso nas semanas que se aproximam.

“Este pequeno universo provinciano entre os astros”, escrevia Álvaro de Campos. Cortina cerrada sobre o campeonato. Tudo parece estar no seu lugar.