As ‘pequenas coisas’ que foram esquecidas em Lisboa

A gestão da cidade de Lisboa tem sido caracterizada pela aposta nas obras de requalificação do espaço público – obras de grande visibilidade, embora, em muitos casos, com soluções que não melhoraram o dia-a-dia de quem a utiliza. As soluções têm sido centradas a pensar mais nos turistas e menos em quem vive em Lisboa.

A capital foi engolida por obras em contrarrelógio para estarem prontas nas próximas eleições. No entanto, os crónicos problemas mantêm-se ou agravaram-se. Não houve sensibilidade nem resposta para as dificuldades de quem vive ou utiliza a cidade. A questão do trânsito é a mais evidente desta ação pouco ponderada: Lisboa pode estar mais agradável à vista mas os problemas nesta área não foram resolvidos.

A disponibilidade financeira do município aumentou nos últimos anos de forma ímpar, com um impulso decisivo na diminuição da dívida – resultante do acordo com o Governo anterior sobre o pagamento dos terrenos do aeroporto (responsável por 87 % da redução da dívida dos últimos dez anos), a par de um aumento global de 20% nas receitas, em resultado do brutal aumento de taxas e tarifas (94% apenas num ano).

Lisboa vive o deslumbramento de quem gere a cidade com muitos recursos financeiros e quer deixar ‘obra’ quase sem olhar a custos, mas sobretudo sem cuidar das corretas prioridades, preterindo o investimento estrutural ou a resolução dos pequenos problemas do dia-a-dia – que têm menos visibilidade – em favor da obra que ‘enche o olho’ (feita, como se disse, a pensar mais nos turistas).

O facto é que as obras estão concretizadas – e, no entanto, permanecem os problemas crónicos da capital. Em muitos casos, as zonas de intervenção foram escolhidas não por necessitarem mais de requalificação mas por serem mais visíveis. A preocupação com o embelezamento prejudicou a funcionalidade. Importa agora refletir sobre o que ficou por cuidar.

Lisboa permanece suja e, fora das zonas em que foram feitas as grandes obras, continua degradada. O lixo continua a acumular-se em muitos pontos da cidade. Nas zonas à margem dos principais eixos ou praças, continuam os pavimentos degradados, os candeeiros em mau estado, os bancos destruídos.

Onde foram feitas obras de renovação do espaço público está tudo a brilhar, mas a restante cidade (que é a grande parte) foi esquecida. Não há manutenção do espaço público e não há recuperação do mobiliário urbano.

A atual gestão de Lisboa parece saber apenas fazer de novo, mas não cuida de manter ou conservar o que existe.

E depois temos a limpeza. Continua a observar-se lixo acumulado nas ruas, junto aos ecopontos e às papeleiras. A Câmara não tem sabido resolver o problema do lixo.

Parece que Lisboa só existe nos principais eixos e praças. Parece que em Lisboa só interessam os turistas. Parece que as zonas menos visíveis da cidade e também os lisboetas foram esquecidos.

Em Lisboa temos cenários mais bonitos para tirar fotografias. Mas não se vive melhor em Lisboa. Falta cuidar e resolver os ‘pequenos’ problemas do dia-a-dia de quem aqui habita.‬