Europa – política externa ou política doméstica?

Cada vez mais a UE se parece com um gigante económico com pés de barro e com um anão político que o quer disfarçar usando sapatos altos.

«A Alemanha tem de assumir um papel de liderança num processo cujo objetivo será o de abandonar essa liderança»

Eckart Stratenschulte Diretor da Academia Europeia de Berlim

 

Assistimos esta semana à primeira visita de Estado do novel Presidente de França à Alemanha, para reunir com Angela Merkel.

Depois de Sarkozy e de Hollande, o Presidente Macron, imitando-os, foi tentar reanimar o eixo Berlim-Paris. E daí saiu uma declaração conjunta segundo a qual os dois países estão disponíveis para rever tratados e/ou fazer novos.

Nós, por cá, teimamos em não querer assumir que a Europa, os assuntos europeus, são política doméstica e cada vez menos política externa. Até na forma como sucessivos governos têm, orgânica e funcionalmente, tratado estas matérias.

Em tempos em que o desamor à Europa vai crescendo – e antes que cá cheguem fortes ventos anti-Europa –, faz todo o sentido que se digam umas verdades que incomodam e se combatam algumas mentiras que encantam.  Tudo em nome do contributo para a refundação do projeto europeu. Porque a Europa tem de ser uma coligação de vontades – que não devem esgotar-se na simples vontade de viver em comum. Para que a Europa não continue a deixar de ser um modelo civilizacional para o mundo. Para que não seja tão criticada (interna e externamente) por ser tão intrusiva e impositiva.

Cada vez mais a UE se parece com um gigante económico com pés de barro e com um anão político que o quer disfarçar usando sapatos altos.

Mesmo quando se considera que a Europa ‘está bem e se recomenda’ – sendo uma espécie de petroleiro que navega de forma determinada e com o ritmo certo – devemos contrapor com outra imagem: uma bicicleta que avança periclitante com os pneus vazios.

Até no domínio das políticas para a imigração, asilo e refugiados, a Europa parece conviver mal com a parte boa da sua genética: ser uma comunidade de destino. Dando-se mal com os novos europeus, não conseguindo disfarçar e conter ímpetos intolerantes.

Por muitas alterações que se façam aos tratados europeus, ou por muitos novos tratados que sejam aprovados, para o mundo real, fora da Europa continua a não haver um número de telefone. E isso é muito mais importante – e até simbólico – do que os europeus e as suas nomenclaturas pensam.

As crises acumuladas (financeira, de valores e de credibilidade interna e externa) da Europa mudaram para muito pior a chamada ‘superpotência do estilo de vida’.

Temos cada vez mais a perceção de que a Europa (ou, pelo menos, um lado da Europa) tem dias em que parece ter medo de existir como é.

O mundo está cada vez mais farto da Europa e dos europeus. Sobretudo da sua unipolaridade normativa e da sua obsessão pela sociedade aberta com base em regras europeias. Daí tudo fazerem para a Europa deixar de ter centralidade e peso na política mundial.

Esta Europa que vive obcecada pela ortodoxia dos números, desvalorizando a história e as humanidades. Daí não ter memória, por exemplo, do que levou o Império Romano à implosão: economia estagnada, natalidade muito baixa, população envelhecida, etc.. O mesmo acontece com a cultura da austeridade e do medo.

A contenda – já o disse e repito – é entre as democracias de produção e as de distribuição. E aí as democracias peninsulares (dos países a sul) são quem mais e melhor defende e sustenta os valores que estiveram na base da criação da UE.

Num mundo onde a sociedade aberta nos é imposta a cada minuto, é imperioso perceber que os países-potências não são eternos. Muitas potências podem transformar-se em impotências. No bom  e no mau sentido. E o mesmo acontece com entidades supra estaduais.

A Europa está desde há alguns anos a ter um papel secundário (económico, financeiro e geopolítico) no mundo. Mas quando fala é como se fosse a líder formal e percecionada de quase tudo. Temos Europa a mais em muita coisa – e Europa a menos em pouca coisa. Mas até aí são urgentes mudanças.

Há quem diga que a prioridade da Europa é recuperar o otimismo. Mas como se recupera o otimismo com fracos laços identitários? Com cidadania fraca? Com baixa natalidade? Com desemprego? Com laicismo radical? Com erros na política externa e de defesa?

olharaocentro@sol.pt