Manchester. “We won’t take defeat”

A cidade viveu um dia de falsos alertas, mas mobilizou-se aos milhares contra o medo. O poeta Tony Walsh ofereceu a apoteose

“Todos os atos de terrorismo são ataques cobardes contra pessoas inocentes, mas este destaca-se pela sua cobardia chocante e revoltante”“Garanto ao povo britânico: a Alemanha está do vosso lado”Manchester viveu uma série de falsas partidas até que um poeta semidesconhecido chamado Tony Walsh a resgatou do estado de nervosismo em que ficara desde o atentado da noite de segunda-feira. O centro comercial de Arndale foi evacuado ao fim da manhã e de lá já corriam notícias de que se dera outra explosão. Mais tarde aconteceu o mesmo com a estação de autocarros de Manchester. Tornava–se evidente o receio de que o bombista Salman Abedi pudesse pertencer a uma rede de terroristas que tinha na Manchester Arena apenas um primeiro alvo.

A imprensa britânica repercutia os receios e as redes sociais também. O tom mudou quando milhares de pessoas se concentraram em Albert Square na tentativa de contrariar o medo. E o poema que Tony Walsh leu transformou-se num momento apoteótico, especialmente nos últimos versos, escritos há anos mas aparentemente desenhados para uma cidade em recobro e em busca de si: “Because this is a place that has been through some hard times: opressions, recessions, depressions, and dark times./ But we keep fighting back with greater Manchester spirit. Northern grit, northern wit, and greater Manchester’s lyrics./ And these hard times again, in these streets of our city, but we won’t take defeat and we don’t want your pity./ Because this is a place where we stand strong together, with a smile on our face, greater Manchester forever.”

A vigília de Albert Square repetiu-se em várias cidades britânicas, que ainda há dois meses respondiam a um outro atentado nacional, em Westminster, quando um homem se lançou de carro contra dezenas de pedestres e esfaqueou um polícia. O bombista suicida que se fez explodir na noite de segunda-feira, porém, causou muito mais mortos e deixou em aberto a possibilidade de existir uma rede terrorista ainda por capturar. As centenas de pessoas que foram para Albert Square não o ignoravam. Como Naomi, que saiu do concerto de Ariana Grande dez minutos antes da hora, evitou o ataque e ontem falava à BBC a partir da vigília em Manchester. “Eu e a minha filha vivemos em Manchester e senti que era importante nós virmos porque esta é a minha cidade e acho que é importante estarmos juntos e demonstrarmos apoio a todos”, disse, com a filha bebé ao colo, momentos depois do discurso do mayor da cidade, Andy Burnham, que prometeu “desafiar os terroristas trabalhando em conjunto de forma a criarmos uma sociedade diversa e coesa que está mais forte junta”. “Nós somos muitos, eles são poucos”, lançou aos vários milhares de pessoas que o ouviam, incluindo líderes religiosos e políticos que ontem abandonaram o trilho da campanha para as legislativas do próximo mês.

Solidariedade

As demonstrações espontâneas de solidariedade começaram na própria noite do atentado e prosseguiam ontem, com centenas de pessoas a oferecer nas redes sociais estadia a quem precisasse e a tentarem encontrar algumas das pessoas desaparecidas. Muitos taxistas transportaram sobreviventes e vítimas sem cobrar, como A. J. Singh, por exemplo, cuja fotografia percorreu ontem as redes – muito devido ao facto de Singh ter barba longa e pele escura, mesmo não sendo muçulmano. A firma de táxis para a qual trabalha continuava ontem a enviar comida, roupa e bebidas a quem precisava. Singh, aliás, deu boleia a um homem que descobriu mais tarde que a namorada morrera. “Levei-o ao hospital”, contou à BBC. “Não tinha telefone, não tinha dinheiro e nenhuma forma de comunicar com a família”, acrescentou. “Aquilo era como uma zona de guerra.”

A comunidade muçulmana de Manchester convivia ontem com um sentimento de insegurança que se tornou habitual em várias partes do país e do mundo na era do autoproclamado Estado Islâmico e de movimentos nacionalistas islamofóbicos – só em 2015, o grupo MAMA, que monitoriza ataques contra muçulmanos no Reino Unido, registou um aumento de 326% e centenas de novos crimes de ódio. Nas palavras de um imã de Manchester, Mohamed Abdul Malek: “Rezo e digo aos que querem vingar-se nos muçulmanos que os muçulmanos são igualmente vítimas destes atos. A juventude muçulmana também estava no concerto.”