Democracia na Europa

O espectro do populismo está afastado na Europa e a democracia venceu? Muito longe disso

O ano de 2017 anunciava-se trágico para a Europa. Depois do Brexit e da eleição de Donald Trump, a confiança nas escolhas democráticas não era grande.

O primeiro teste aconteceu na Áustria, ainda no final do ano passado, nas eleições presidenciais. O candidato do Partido da Liberdade austríaco, populista e anti-imigração, foi derrotado na segunda volta das eleições, já em dezembro, apesar de ter obtido uma votação expressiva, não tendo ficado a grande distância do candidato vencedor. A Áustria terá eleições legislativas em outubro, não sendo de prever, a acreditar nas sondagens, que o Partido da Liberdade as possa vencer.

Já este ano, em 15 de março, ocorreram as eleições gerais na Holanda. Havia aí o receio de que o Partido da Liberdade holandês, de Gert Wilders, as pudesse vencer. Muito embora se tenha verificado um crescimento da representação parlamentar deste partido – com mais 5 lugares – e um decréscimo do partido do primeiro ministro Mark Rute – que perdeu 8 lugares – a verdade é que o populista Wilders não venceu as eleições, ao contrário do que se chegou a temer.

Seguiram-se as eleições presidenciais em França, com a vitória de Emmanuel Macron, com significativa vantagem sobre Marine Le Pen, embora esta tenha, como é sabido, passado à segunda volta e obtido uma votação que, em todo o caso, faz temer vitórias futuras, em especial nas próximas eleições legislativas, já em junho. Não por acaso, no dia seguinte às eleições, Marine Le Pen iniciou a campanha eleitoral, anunciando uma ampla reforma no partido Frente Nacional, incluindo uma possível alteração de nome.

Não menos importantes são as eleições federais na Alemanha, a ter lugar em 24 de setembro. Tudo leva a crer que a vitória será disputada entre a CDU de Merkel e o SPD de Schulz. A CDU tem aliás vencido as várias eleições regionais que se realizaram este ano, incluindo a desta semana.

Quer isto dizer que o espetro do populismo está afastado na Europa e a democracia venceu?

Muito longe disso. Os vários movimentos populistas, não tendo vencido as eleições, mas tendo obtido resultados relevantes, continuaram a afinar os seus discursos, de olhos postos nas próximas eleições.

O que também resulta destas eleições é uma certa erosão dos sistemas partidários tradicionais e a ascensão de novos movimentos e figuras. As eleições presidenciais francesas são um exemplo disso.

Boa parte do debate foi travado entre Macron e Le Pen, cada um tentando demonstrar que se encontra mais fora do ‘sistema’ que o outro. Le Pen acusando Macron de ser o preferido dos ‘barões’ do regime, de ter sido ministro, não obstante candidatar-se por um novíssimo partido que o próprio fundou, e apresentar-se a eleições presidenciais com 39 anos de idade. Marine Le Pen procurava, naturalmente, ocultar o facto de se encontrar há largos anos na política ativa, ser deputada ao Parlamento Europeu e herdeira de uma tradição familiar de décadas.

O sucesso dos partidos populistas também é em parte esse: a capitalização de um discurso que surge como inovador, sobre o cinzentismo, o cansaço, o esgotamento das soluções propostas pelos partidos tradicionais.

Julgo, por isso, que deste raide eleitoral europeu podemos retirar duas conclusões: i) os europeus estão cansados dos partidos e narrativas tradicionais; e ii) não estão dispostos a entregar o poder a partidos populistas, racistas e xenófobos.

Tal significa que os eleitores não renegam a tradição humanista e os valores que estão na base da construção europeia, mas o risco de isso vir a acontecer no futuro, não por convicção mas por esgotamento das alternativas, é grande.

O modo de o combater, para quem acredita na democracia, passa por apostar em novas formas de chegar aos eleitores, uma renovação do discurso e, sobretudo, uma transformação do pessoal político. Provavelmente os eleitores estarão muito mais dispostos a seguir pessoas, ideias, inspirações, do que partidos, dogmas e disciplinas.

Se a democracia é o governo do povo, ou os partidos se adaptam à vontade deste ou acabarão por morrer. E só deles próprios se podem queixar porque, quando isso acontecer, foi a democracia na Europa que funcionou.

 

Gonçalo Saraiva Matias

Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa