Um teste à resiliência

Surpreendente para muitos, a eleição de Donald Trump tem lançado desafios à robustez do sistema político norte-americano a uma escala vertiginosa. 

Desde logo, no plano estritamente político, como se deve perspetivar a reação a uma linha populista, manipuladora dos factos, errática, impreparada, com ligações preocupantes a Putin e elogios a Le Pen, e um recurso insensato à bravata e à fuga para a frente?

Por outro lado, a própria legitimação do sistema volta a enfrentar um desafio sério: pela segunda vez em menos de vinte anos, o vencedor do voto popular ficou fora da Casa Branca, desta vez por uma diferença de quase 3 milhões de votos. 

Não é a legalidade, nem a lisura formal da eleição que está minimamente em causa (aliás, Trump ganhou até com maior transparência e clareza do que Bush em 2000), mas antes o risco de falta de adesão legitimadora substancial a um sistema que arrisca produzir com frequência resultados como este. 

Apesar disto, o sistema político dos Estados Unidos enfrenta hoje um desafio bem mais preocupante do que a discussão sobre se um sistema eleitoral desenhado no século XVIII, num contexto político e social muito diferente, ainda se mostra adequado à realização da escolha do Presidente. 

É a robustez das instituições que vai estar em teste de stress permanente ao longo dos próximos quatro anos. Nunca de forma tão notória se afirmaram tendências tão intensas para o nepotismo, para o aparecimento sem pudor de conflitos de interesses ou para a desconsideração pelas demais instituições, pela Constituição ou pelo papel da imprensa livre.

O mais recente e preocupante sinal vem da destituição do diretor do FBI, num momento em que conduzia investigações sobre as alegações de conluio ou, pelo menos, de cooperação pouco patriótica entre a campanha de Trump e a Rússia. 

De tal forma fica no ar uma intensa suspeita de remoção mal atamancada de um titular incómodo de uma instituição relevante, que a tónica dominante de muitas análises da decisão não consiga escapar à sua caracterização como nixoniana. Curiosamente, de tal forma é sem precedente a decisão, que os próprios responsáveis pela conta no Twitter da Biblioteca Presidencial de Richard Nixon não resistiram e fizeram questão de sublinhar que este nunca demitiu um diretor do FBI. 

Há que não desvalorizar o problema, deixando a pergunta (e o alerta) no ar: até que ponto há resiliência para resistir a um Partido Republicano cada vez mais subordinado à vontade política da Casa Branca (por receio de inclusão na lista dos indesejáveis alvos a abater pelas plataformas de comunicação alinhadas com o populismo trumpista), num momento em que este domina já o executivo e o legislativo, e pode vir a condicionar decisivamente o poder judicial?