Chauvinismo à portuguesa

Portugal não tem riqueza nem dimensão para desperdiçar oportunidades de estar (ou influenciar) nos centros de decisão do mundo global

António Costa teve esta semana uma intervenção inusitada. Não sobre a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo. Não sobre a não menos inusitada declaração de Wolfgang Schäuble acerca do seu homólogo português, Mário Centeno – o «Ronaldo do ECOFIN». Sim sobre a restruturação de uma empresa privada onde no passado o Estado tinha uma golden share e que desta fez uso para dar cabo do seu gigantesco potencial, com operações ainda hoje e até ver sob investigação criminal.

Disse António Costa sem propósito que o Governo não aceitará o despedimento dos 3500 trabalhadores da PT que, por acordo com a empresa, aceitaram ficar em casa sem trabalho mas com emprego remunerado a 80% do salário mensal a que teriam direito se o seu posto de trabalho se justificasse.

«O Governo não dará qualquer autorização para que existam esses despedimentos. Nada justifica», disse Costa no Parlamento.

Ora, não sendo o Estado detentor de qualquer participação na empresa, nem tão pouco da golden share de tempos idos, a única explicação para a declaração de António Costa deveria ter originado, se não indignação nos seus parceiros da esquerda parlamentar, ao menos um pedido de esclarecimento por parte de sindicatos e comissão de trabalhadores.

Porque a única ilação que pode retirar-se da habilidosa declaração de Costa é que o Estado quer condicionar a restruturação da empresa e um eventual acordo de extinção dos postos de trabalho – entre a empresa e os trabalhadores em causa -, ameaçando não lhes reconhecer o direito ao subsídio de desemprego (por excesso de quotas) e obrigando ao despedimento coletivo – com todos os ónus (incluindo processuais) inerentes.

Porquê?

Porque o Estado, não sendo acionista nem tendo qualquer intervenção na administração da Altice, não tem como permitir ou deixar de permitir que tais trabalhadores excedentários sejam dispensados.

A extinção dos postos de trabalho, na prática, já existiu e foi consentida pelos próprios trabalhadores.

O que resta é o direito ao recebimento de um vencimento mensal, nos termos de um acordo que obviamente cessará no caso de extinção formal do posto de trabalho, obrigando a empresa ao pagamento da respetiva indemnização legal. Pode, inclusivamente, tal indemnização ter valor superior, se a empresa e os trabalhadores assim chegarem a entendimento.

E o Estado, o Governo ou, neste caso, o primeiro-ministro nada tem com isso.

Acontece, porém, que, a haver formalização da extinção dos postos de trabalho (aliás, já inexistentes) e recebendo os trabalhadores justa e devida indemnização legal (ou para além dela), terão estes direito a receber da Segurança Social o respetivo subsídio de desemprego.

E só nesse momento o Estado será chamado a intervir no processo. O que quer dizer que António Costa, ainda que o seu discurso pareça ter sido de defesa dos milhares de trabalhadores na circunstância de estarem a receber um vencimento para ficarem em casa, na verdade está a negar-lhes um direito que o Estado Social não deveria negar-lhes.

E a ausência de reação, em especial do BE e do PCP, mas também de sindicatos e comissão de trabalhadores da PT, é, por isso, estranha.

Tão estranha quanto, a contrario, foi o bruá de indignação com a decisão de uma multinacional assumir a sua marca global e acabar progressivamente com as marcas nacionais.

Sobretudo quando estas marcas nacionais estão exauridas de valor, tamanha a hecatombe após negócios ruinosos pela subjugação da administração anterior aos interesses (ilegítimos e desastrosos) de um acionista minoritário, com a cumplicidade do Governo da altura.

A mudança de marca nunca é pacífica e é sempre indesejada.

Mas ninguém ousou condenar a troca da TMN pela MEO – nos tempos da liderança então tão elogiada de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, quando a PT era sinónimo de abono da comunicação social dominante. Ou tão pouco ao sacrifício da Telecel, quando deu lugar à marca global da sua adquirente Vodafone – igualmente com forte investimento em campanhas de marketing e comunicação.

Esse é um preço da globalização. Que já não é futuro, mas presente.

As empresas globais, com marcas globais, não vão comandar a economia mundial… já comandam.

E se uma empresa global tem entre os seus principais decisores cidadãos portugueses, essa é uma vantagem e uma oportunidade para o país. Não o contrário.

A reação à mudança de marca é passadista e provinciana (à escala nacional). Para não dizer tão chauvinista como o chauvinismo com que caracterizamos os franceses.

Portugal não tem riqueza nem dimensão (geográfica, populacional, de mercado) para desperdiçar oportunidades e ignorar a realidade presente e de futuro.

A vanguarda da qualificação e da inovação e a possibilidade de participar (ou poder influenciar) nos centros de decisão à escala mundial é um privilégio de poucos – e de quem pode, não de quem quer.

A defesa dos interesses e dos valores nacionais só aí, nos grandes centros e foros de decisão, pode ser efetivamente concretizada e rentabilizada.

Porque a afirmação da soberania nacional sem capacidade para decidir e impor o que quer que seja e o isolacionismo são, como sempre foram, fatores de atraso e de obstaculização do desenvolvimento.