Manchester. O rasto da explosão

Os investigadores pensam que Abedi se fez explodir com ajuda de uma rede e que outro ataque pode estar perto.

Os investigadores britânicos demoraram várias horas a chegar à conclusão de que o sujeito que se fizera explodir na noite de segunda-feira em Manchester provavelmente não atuara sozinho. E foi só nesse momento, umas 20 horas depois de Salman Abedi se ter suicidado com um colete-bomba em nome do grupo Estado Islâmico, matando crianças, adolescentes e adultos, que o Governo do Reino Unido anunciou o nível crítico de alerta de segurança apenas pela terceira vez desde que foi criado, em 2006, o mais alto que existe e que indica que um novo atentado pode estar «iminente».

Ontem, quatro dias depois de 22 pessoas terem morrido e dezenas ficado feridas e mutiladas no pior atentado em solo britânico em mais de uma década, o alerta mantinha-se, o exército estava ainda nas ruas e os investigadores lançavam-se em operações seguidas de operações na tentativa de capturar a rede terrorista que pode ter apoiado o bombista Salman Abedi e, pior, pode ter outro ataque em vista. E faziam-no com renovada urgência. O Ramadão começa hoje e ontem o Estado Islâmico voltou a pedir aos seus seguidores que o celebrem com ataques contra ocidentais por qualquer meio à sua disposição.

Dez pessoas foram detidas desde a noite do ataque e só duas foram entretanto libertadas sem acusações. E isto apenas no Reino Unido. O rasto do ataque em Manchester estende-se pelo menos até à Líbia, país disputado por governos concorrentes e onde a segurança está a cargo de várias milícias que, cidade a cidade, ocupam os papéis de polícia e exército. Foi da Líbia que os pais de Abedi partiram para o Reino Unido, na década de 1990, onde se refugiaram do ditador Muammar Khadafi. E foi para a Líbia que quase toda a família regressou em 2011, depois da revolução contra o antigo ditador líbio. Foi também em Tripoli, na quarta-feira, que o seu pai e irmão do bombista foram detidos. De acordo com a milícia líbia que os capturou, Hashem, o irmão mais novo de Salman, estava a par do plano bombista de Manchester e preparava também um atentado em nome do Estado Islâmico em Tripoli. Um outro irmão, Ismail, de 23 anos, foi detido em Manchester logo na terça-feira, embora não se conheça ao certo qual a sua relação com o atentado de segunda-feira.

Já o pai, Ramadan Abedi, ainda conseguiu falar ao telefone com a Associated Press antes de ser levado de casa com o filho mais novo. «No começo, uma das raparigas foi ao online e viu as notícias de que Salman fora acusado de ser o bombista de Manchester», contou Ramadan, dizendo que Salman estivera com ele em Tripoli apenas uma semana antes do atentado e que, antes de partir, lhe dissera que ia à Arábia Saudita fazer a peregrinação a Meca e Medina, não lhe dizendo nada sobre um regresso ao Reino Unido. «Nunca esperei que isto acontecesse», afirmou Ramadan, que, segundo a imprensa britânica, combateu com uma organização islamista com ligações à Al-Qaeda nos tempos da revolta contra Khadafi.

Pontas por atar

Há muito que falta responder sobre Salman Abedi e o atentado que realizou na segunda-feira na Manchester Arena. Ontem descobriu-se que os oito detidos têm entre 18 e 38 anos e que o mais velho, Aimen Elwafi, arrendou um apartamento ao bombista onde ele terá construído o seu colete suicida, apesar de as autoridades terem encontrado uma pequena fábrica de explosivos na antiga casa da família, a menos de cinco quilómetros do local do atentado. Neste ponto, a versão dos investigadores mudou drasticamente entre os dois últimos dias. Imediatamente depois do atentado, a polícia britânica argumentava que o colete suicida de Salman Abedi era demasiado sofisticado para que ele o tivesse construído sozinho, conclusão que apontava para a existência de uma rede. Mais para o fim da semana, porém, os serviços britânicos passaram à tese de que a bomba fora de facto construída pelas mãos de Salman Abedi, que, no entanto, teve de receber treino para que o pudesse fazer.

As suspeitas apontam para os tempos que passou na Líbia com a família, embora ontem não se soubesse ao certo por que período é que isso foi. «Isto não se trata de algo que se pode aprender lendo um livro ou assistindo a um vídeo no Youtube», contava uma fonte da polícia ontem ao diário britânico Telegraph. «Ele teve de ter passado algum tempo num campo de treino, possivelmente na Líbia, onde lhe mostraram como fazer. Mas assim que alguém aprende a fazê-lo e adquire as ferramentas e materiais, construir um engenho destes faz-se em pouco tempo».

Ou seja: a tese da rede terrorista mantém-se, tenha Salman construído ou não o seu colete suicida. E isso significa que as autoridades britânicas se ocupam por estes dias de estudar as ligações do bombista com outros suspeitos radicais em Manchester, que nos últimos anos se tornou um conhecido círculo jihadista no Reino Unido, e até o seu submundo do crime. Como escrevia ontem o Guardian, Salman Abedi parece ter estado pelo menos próximo dos gangues de jovens líbios que se formaram nos últimos anos em Manchester, embora até ao último ano parecesse estar ocupado com a licenciatura em Gestão que acabaria por abandonar. «Há uma crescente cultura de gangues por parte de jovens líbios.

É uma grande preocupação na comunidade», contava ontem um líder comunitário ao jornal britânico, dizendo que, tal como Abedi, a maior parte desses jovens passou os últimos anos de adolescência e primeiros anos da vida adulta sem a presença dos pais. Segundo avançava esta semana o Guardian, os investigadores estão por agora a dar mais importância à possível ligação entre Salman Abedi e Raphael Hostey, um outro jihadista britânico que morreu recentemente num bombardeamento em Mossul, no Iraque, e que recrutou vários jihadistas em solo britânico. Hostey vivia a menos de um quilómetro da casa natal de Abedi, no sul de Manchester.

À medida que se constrói o retrato de Salman Abedi, torna-se mais claro que o mais recente terrorista a atacar em solo europeu partilha muitos dos traços dos seus antecessores em Paris e Bruxelas, que na sua maioria pertenciam também a segundas ou terceiras gerações de imigrantes de países de maioria muçulmana, participaram ou estiveram próximos de meios de pequena criminalidade, partilharam a ideologia extremista com familiares e atacaram perto de casa, onde pouco antes levavam um estilo de vida ‘ocidentalizado’.