Festa do Cinema 2017: sabe o que liga o “Rei Artur” a Donald Trump?

1.Terminou na quarta-feira passada mais uma edição (a terceira) da “Festa do Cinema”: o evento que pretende atrair novos públicos para o cinema através da disponibilização de bilhetes, para todos os filmes em exibição, num conjunto bastante alargado de salas de cinema, a preço reduzido (sensivelmente um terço do preço normal)

Em 2015, a iniciativa correu bem; em 2016, superou as expectativas – e a sensação com que ficamos (ainda sem dados oficiais) é que a edição do presente ano registou um sucesso ainda maior em termos de adesão.

2.De facto, apelando à nossa experiência pessoal (estivemos presentes nas três edições), diríamos que, em 2015, a iniciativa foi olhada com surpresa, embora sem grande entusiasmo; em 2016, o entusiasmo gerado pela bom feedback da edição original aumentou o número de espectadores; este ano foi um sucesso digno de registo, o que mostra que os portuguese não se divorciaram do cinema, não o encaram como  algo démodé – antes, vivem em separação de facto com as salas de cinema em virtude do preço porventura (ou certamente) excessivo de cada bilhete.

Reduzindo-se os custos de ingresso, os portugueses saiam de casa e trocam as suas salas pelas salas de cinema. Abdicam, de quando em vez, do conforto do seu lar em prol do fascínio e da magia das salas de cinema.

3.De facto,  resolvemos experimentar ir a três sessões de cinema em três horários distintos: ao início da tarde, após o almoço, a sala estava praticamente repleta; na sessão das 21h, sala lotadíssima, com famílias inteiras, desde os avós aos netos, a partilharem a experiência e até a travar discussões deveras interessantes sobre como seria o filme (antes) e como foi o filme (depois do término da sua exibição); finalmente, na sessão da meia-noite, sala com metade da lotação preenchida, o que é um feito bastante assinalável atendendo ao horário (ainda para mais tratando-se de uma quarta-feira!). Um dado muito curioso e interessante: vários espectadores que não se conheciam entre si, trocaram, no intervalo e no fim, impressões sobre a qualidade, o enredo e a performance do elenco dos filmes – este tipo de discussão pública é sempre salutar.

Confessamos que há muito tempo que não assistíamos a uma interacção pública desinteressada, genuína e espontânea – e racional! – como esta: o que mostra que o cinema (e o cinema a preços baratos) pode ser um factor de dinamização do espaço público.

4.Na edição do presente ano, os dois filmes preferidos dos portugueses foram, segundo a nossa percepção, “Guardiões da Galáxia – Vol. 2” e “O Rei Artur”.

O primeiro é um filme que recupera os heróis da Marvel (e produzido pela detentora da marca, a Disney) e as suas aventuras no espaço intergaláctico. Mais do mesmo? Será esta película apenas mais uma oferta cinematográfica pipoqueira para vender bilhetes, sem interesse algum? Não: a crítica internacional recebeu este filme com elogios e satisfação.

E, de facto, vale a pena ver “Guardiões da Galáxia”: trata-se de uma tentativa bem conseguida da Marvel de reinventar os heróis que animaram gerações, com diálogos bem construídos, humor, movimento, efeitos especiais na dose certa – e uma extraordinária banda sonora (“Branding, you ‘re a fine girl” dos “Looking Glass” ou “Father and Son” de Cat Stevens).

Destacamos, ainda, a mensagem ideológica do filme: a interligação entre o passado, o presente e o futuro, ou seja, o filme aproveita a ponte geracional muito própria destas figuras míticas de banda desenhada. Até David Hasselhoff é referido amiúde – não enjeitando uma pequena participação no término deste segundo volume dos “Guardiões da Galáxia”.

5.Já “Rei Artur” pretende recuperar a tão conhecida (e para muitos apaixonante) lenda da espada e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Realizado por Guy Richtie (sempre muito competente), o filme tem cenas de acção extraordinárias, uma história com originalidade dentro da tradição, sem cair em repetições ou em invenções obtusas – e um elenco à altura do desafio.

Talvez Jude Law tenha ficado demasiado colado à sua interpretação do Papa ortodoxo e austero da série da HBO (ainda rodou em simultâneo) – por vezes, confunde-se este “Rei Vortigern” com o “Papa Jovem” da série norte-americana. Apesar do enorme orçamento e da campanha de marketing intensa levada a cabo pela sua produtora – a Warner Brothers – , o filme revelou-se um flop de bilheteira. Razão? Talvez a saturação dos espectadores pela revivência constante das mesmas lendas…

6.Uma última nota: lendo os créditos finais do filme, constatámos que o director financeiro deste “Rei Artur” foi Steve Mnuchin. Esse mesmo: o actual Secretário do Tesouro da Administração Trump. Mnuchin praticamente saiu do “Rei Artur” para apoiar o Presidente Donald Trump – oxalá encontre a sua “Excalibur” para promover a agenda económica (vencedora!) do Presidente dos EUA, a bem da América, dos americanos e do mundo…

7.Podemos, pois, dizer que um dos campeões de bilheteira nos cinemas portugueses tem a mão (e o dinheiro) de um dos homens de confiança do Presidente Donald Trump…