JFK. O dia em que mataram o presidente da moda

A morte de John F. Kennedy, abatido a tiro em Dallas, no Texas, chocou a América e o mundo, e originou algumas das mais engenhosas teorias da conspiração. O desaparecimento cruel e precoce de um homem idolatrado catapultou-o para a lista das grandes figuras do atribulado século XX

22 de novembro de 1963. Uma limusina descapotável percorre a Elm Street, no centro da cidade norte-americana de Dallas, estado do Texas, liderando uma coluna de veículos e ladeada por motas da polícia, vigilantes. Os relógios marcam o meio-dia e meia quando o veículo acede à Dealey Plaza. Nos passeios, ao sol, há gente a acenar e a aplaudir. Abraham Zapruder, munido de uma câmara, filma o alegre cortejo bem de perto. Quando a comitiva passa por um edifício que servia de depósito de livros escolares, o barulho de tiros corta o ar e o pânico instala-se. No banco de trás da limusina, Jacqueline Kennedy percebe que o marido está em dificuldades e acerca-se junto dele. Um novo disparo lança o corpo desfalecido do homem de 46 anos contra a esposa que, em desespero, tenta gatinhar para fora do veículo em andamento. Alguém a impede de o fazer e a comitiva segue, a toda a velocidade, para o hospital Parkland Memorial, o mais próximo do local do crime. Meia hora depois, o 35º presidente dos Estados Unidos da América é declarado morto.

O assassinato de John Fitzgerald Kennedy – também recordado como John F. Kennedy, JFK, ou, simplesmente, Jack – faz parte de qualquer guião agregador dos momentos mais marcantes da História do século XX. Da tragédia desdobraram-se incontáveis teorias da conspiração, nasceu um mártir político e confirmou-se a existência de uma espécie de maldição familiar tenebrosa, tombada sobre os Kennedy. E num tempo em que a televisão já pertencia à mobília e ao dia-a-dia de muitas famílias americanas, o impacto mediático da morte de JFK e dos episódios que a ela se seguiram, foi gigantesco.

John F. Kennedy era um presidente popular e a forma como derrotara o superexperiente Richard Nixon, nas eleições presidenciais de 1960, dera-lhe a fama de menino-bonito da América. Alguns dos triunfos logrados pela sua administração, em quatro anos de presidência, ajudaram-no a consolidar aquele estatuto e contribuíram para dilatar ainda mais um certo deslumbramento, palpável na opinião pública. A luta pela integração racial e pelos direitos civis, o pontapé de saída na corrida espacial, a vitória moral importante sobre a União Soviética – com o desfecho aliviante da inquietante Crise dos Mísseis de Cuba –, ou o famoso discurso em Berlim, no auge da Guerra Fria, foram alguns desses momentos. Para além dos seus feitos, claro, JFK era bonito, bem-humorado e charmoso. Herói de guerra e coqueluche do Partido Democrata, o “jovem” de ascendência católica irlandesa conseguia agradar tanto à esquerda como à direita.

Tudo somado, fazia sentido para o presidente Kennedy olhar com otimismo para a candidatura a um segundo mandato presidencial. Foi precisamente com esse objetivo na mira que se deslocou a Dallas, já depois de ter marcado presença noutros comícios de pré-campanha, tanto na costa oeste dos EUA, como em cidades como Boston ou Filadélfia, onde falara sobre educação, segurança e planos que tinha para o crescimento económico do país. Mas, no caminho para as eleições de 1964, os estados da Florida e do Texas eram o grande objetivo do presidente, e foi por isso que no final de novembro partiu para uma visita a cinco cidades texanas.

Dúvidas, certezas e conspirações

Na manhã de sexta-feira do dia 22 desse mês, a comitiva americana incluía, além de Kennedy e da primeira-dama, o vice-presidente Lyndon B. Johnson, o governador John Connally e respetivas esposas. Depois de uma ronda de discursos, ao pequeno-almoço, na câmara de comércio da cidade de Fort Worth, o séquito embarcou então num avião rumo a Dallas, onde o chefe de Estado iria participar em nova sessão de campanha no Trade Mart daquela importante cidade do Texas. Como o sol brilhava, os veículos que transportaram a cúpula da administração democrata abdicaram das capotas. Foi no meio de acenos e sorrisos, lançados para a multidão na Dealey Plaza, que Kennedy viu o seu nome ser adicionado à triste galeria dos anteriores presidentes norte-americanos assassinados, onde constam nos nomes de Abraham Lincoln (1865), James A. Garfield (1881) e William McKinley (1901).

Dificilmente haverá no mundo lugar mais original do que os EUA no que toca ao aparecimento de teorias da conspiração. A morte de JFK é um caso paradigmático nessa matéria. Basta dizer que, 40 anos volvidos sobre a tragédia, os americanos não estavam convencidos sobre as conclusões apresentadas pela Comissão Warren – o corpo especial de investigação nomeado uma semana depois do assassinato, por Lyndon B. Johnson, o homem que prestou juramento uma hora e meia depois de confirmada a morte de Kennedy, e que assim se tornou o 36º presidente dos Estados Unidos –, que responsabilizam Lee Harvey Oswald pelos tiros que tiraram a vida a JFK e que feriram gravemente o governador Connally, disparados do topo de um prédio. Numa sondagem realizada pela ABC News, em 2003, 7 em cada 10 norte-americanos dizia acreditar que o crime contra o presidente fora o resultado de uma conspiração em larga escala, e não da vontade de um assassino solitário.

O assassínio do próprio Oswald, dois dias depois da morte de Kennedy, partilhado em direto pelas televisões americanas, por ocasião do momento da sua transferência para uma outra prisão, foi um dos principais pontos de discórdia sobre o caso e alimentou, até aos dias de hoje, outras teses que não as apresentadas pela justiça. Desde os tiros que não poderiam ter sido disparados do sexto andar do Texas School Book Depository, passando pela existência de mais atiradores em pontos diferentes da Dealey Plaza, e até das suspeitas de envolvimento da CIA, do KGB, de Fidel Castro, da máfia ou do próprio Lyndon Johnson, atropelam-se hoje, na internet, sites, vídeos, filmes, gráficos e teses complexas para explicar o crime.

Mas de acordo com o relatório de 888 páginas que foi entregue ao presidente Johnson em setembro de 1964, Oswald foi mesmo o responsável. A Comissão Warren relata então a ocorrência de “uma sucessão de tiros”. Um deles acertou no pescoço de Kennedy e outro nas costas do governador. E um tiro adicional atingiu o presidente “pela parte de trás da sua cabeça”, causando um “ferimento massivo e fatal”, que o fez cair no colo de Jackie Kennedy.

Para estas conclusões – e também para as teorias da conspiração – muito contribuíram os 26 segundos do “filme” de Zapruder, o cidadão anónimo que, entre as diversas fotografias e imagens tiradas naquele dia, conseguiu captar com mais pormenor o exato momento em que JFK é atingido com um tiro na cabeça. Por respeito à família Kennedy, Zapruder opôs-se à publicação das imagens junto do grande público, mas depois de as facultar ao FBI, acabou por vendê-las à revista “Life”. Partes do “Filme de Zapruder”, como ficou conhecido, foram sendo publicadas e reveladas, em jornais e televisões, mas os 26 segundos só foram transmitidos, na íntegra, em 1975, pela CBS, criando enorme escândalo, pela brutalidade explícita das imagens. Em 1999 e após um longo processo judicial, um tribunal arbitral condenou o governo norte-americano a pagar 16 milhões de dólares aos herdeiros de Zapruder, pela apropriação da versão original do filme, justificada pelo Estado devido ao estatuto de “coisa pública” daquela prova.

Homenagem e legado

O corpo de John F. Kennedy esteve em câmara ardente durante 21 horas, no Capitólio, em Washington, e foi homenageado presencialmente por perto de 250 mil pessoas. Milhões seguiram as cerimónias fúnebres pela televisão e mais de 100 representantes de outros países, entre chefes de Estado e diplomatas, fizeram questão de viajar até à capital norte-americana para um último adeus a JFK.

Para a História fica um crime monstruoso, envolvido em circunstâncias pouco claras, contra o líder da maior potência do globo, dentro da sua própria casa, numa altura em que os inimigos dos americanos estavam bem identificados, mas no exterior. A dureza do momento em que perdeu a vida de um homem idolatrado e que se confirmou que, também ele, era feito de carne e osso, catapultou a reputação e o legado de JFK para junto do prateleira das grandes figuras do século XX.

Jack Kennedy tinha apenas 46 anos e uma longa carreira política pela frente, na qual ainda teria, seguramente, de enfrentar as suas maiores provações. Mas na sua morte os americanos tornaram-no imortal.