Quem não gostaria de ser criança mais um ano?

Há pais que movem mundos e fundos para empurrarem os filhos para a escola

Quando o meu filho mais velho entrou para a escola primária houve uma reunião de apresentação com a diretora, que disse: ‘Neste momento os vossos filhos deixam de ser crianças para passarem a ser alunos’.

Nesta perspetiva, há vários meninos de cinco e seis anos que vão gozar nas férias que se avizinham os seus últimos dias enquanto crianças. Quanto aos chamados alunos condicionais, que são aqueles que só fazem seis anos entre o dia 16 de Setembro e o final do ano, têm ainda a hipótese, caso não haja vaga ou os pais assim decidam, de ter mais um ano para brincar.

Muitos pais sempre imaginaram que os filhos iriam ingressar no ensino básico com cinco anos, quase a fazer os seis, e são confrontados com a avaliação dos educadores que indica que poderiam beneficiar de mais um ano no jardim-de-infância ou que ainda não adquiriram competências e maturidade suficientes para esta mudança. Já falei com vários pais nesta situação que se sentiam entre revoltados com a educadora e desiludidos. Chegou a dizer-se numa altura que ‘os meninos já chumbam no jardim-de-infância. Onde isto já chegou?’.

Toda esta preocupação dos pais resulta não só do facto de haver uma ideia que vai contra a sua expectativa, mas principalmente de entenderem que os filhos vão perder um ano. Ora, se entrar no 1.º ano implica deixar para trás toda uma vida de criança, e se, como tão bem sabemos, daí para a frente a exigência, responsabilidade e falta de tempo livre virão num crescendo, afinal esse ano é perdido ou ganho?

Naturalmente nem todas as crianças condicionais beneficiam de ficar mais um ano no pré-escolar e algumas estão já tão desenvolvidas que seria contraproducente este compasso de espera. Já outras, para anular o sentimento de frustração dos pais, que sentem que se o filho não entrar no ano esperado é porque não é suficientemente bom, é menos do que os outros ou está a perder um ano, são empurradas para a primária quando ainda tinham muito para brincar, amadurecer e experimentar num contexto menos exigente e que foi criado exatamente com o objetivo de preparar para 1.º ciclo.

Não nos podemos esquecer de que estamos a falar de crianças que podem ter quase menos um ano do que as não condicionais. O que com esta idade pode fazer toda a diferença. Há pais que movem mundos e fundos para empurrarem os filhos para a escola, mas o empurrão não fica por aqui. Prolonga-se por toda a idade escolar e tem de haver um grande esforço por parte de todos – criança, professores e pais – para que a criança consiga acompanhar as matérias. Não porque são maus alunos, ou não têm capacidades, mas apenas porque ainda não era a altura certa. São crianças que foram atiradas para a corrida sem estarem preparadas e a quem, como já dizia a avó de uma amiga, que era professora primária, foi roubado um ano de infância.

Infelizmente a diretora da escola do meu filho mais velho, que referi no início, tentou levar a sua palavra por diante. Graças a esta determinação, bem como à castradora forma de ensino, também condicionada pelos longos, exigentes e, por vezes, desadequados programas escolares, veem-se as crianças ao longo do 1.º ciclo a serem progressivamente destituídas do que tinham de mais precioso: a espontaneidade, a criatividade, a curiosidade e o tempo para brincar.

Se agora nos perguntassem se gostaríamos de ganhar mais um ano de tudo isto, quem diria que não?

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