Tempo de milagres

Portugal vive decididamente um tempo de milagres.Depois da vinda do Papa e da canonização dos pastorinhos, foi o milagre da vitória na Eurovisão.

E o milagre do crescimento de 2.8% no 1.º trimestre.

A que se seguiu o milagre da ascensão de Mário Centeno a estrela em Bruxelas.

O povo português não poderia estar mais satisfeito.

E a prova foi a receção que Salvador e Luísa Sobral tiveram no Parlamento, com os representantes do povo a aplaudirem-nos de pé!

Nunca se vira nada assim.

Agora só falta a condecoração no Palácio de Belém.

A ascensão de Mário Centeno a vedeta europeia, com os resultados obtidos internamente e os elogios vindos do exterior, configura de facto um milagre.

Custa a acreditar que este Mário Centeno seja o mesmo que há seis meses era visto como o ‘patinho feio’ do Governo.

E que metia os pés pelas mãos a falar da CGD, tendo arrastado o banco público para uma crise perigosíssima que o colocou à beira do abismo.

A notícia de que Centeno poderá vir a presidir ao Eurogrupo foi tão inesperada como a vitória da seleção portuguesa no Euro-2016 ou a de Salvador Sobral na Eurovisão.

Mas se a súbita ascensão do ministro das Finanças português ao estrelato surpreendeu tudo e todos, mais surpreendente foi quem lhe fez o maior elogio, chamando-lhe «o Ronaldo do Ecofin»: nada mais, nada menos do que o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble.

A conversão de Schäuble aos méritos de Centeno foi outro milagre – e dos grandes!

Ao ponto de também custar a crer que o Schäuble que disse isto seja o mesmo que há três meses convidava Portugal a «certificar-se de que não precisa de um novo resgate».

Um milagre sucedeu igualmente com outro súbdito alemão, a chanceler Angela Merkel.

A «senhora Merkel» – como toda a esquerda e alguma direita desdenhosamente a tratavam (Marcelo Rebelo de Sousa, quando fazia comentário televisivo, chegou a chamar-lhe «estúpida» com todas as letras) – é hoje olhada com respeito pelas mesmas pessoas que a hostilizavam ontem.

A sua posição a favor dos refugiados contribuiu para lhe mudar a imagem – mostrando que quem a atacava a conhecia mal.

Mas, independentemente disso, Merkel impôs-se como o líder europeu mais destacado.

Veja-se onde se apressou a ir Macron após ganhar as eleições francesas, repetindo o gesto de Hollande cinco anos antes.

Ao contrário do que se disse de Merkel, creio que a sua firmeza em momentos críticos foi decisiva para salvar a moeda única (senão a própria União Europeia).

Agora só falta mesmo um milagre: a conversão de Donald Trump ao politicamente correto.

Ou a mudança de opinião de muitos dos seus críticos.

 Mas isso será bem mais difícil – como a saída do Acordo de Paris ainda agora veio mostrar.

A atuação do Presidente americano desnorteia entretanto toda a gente, com gestos como a aproximação à Rússia, que desagrada sobretudo aos seus apoiantes e é vista com interesse pelas esquerdas que olham com alguma simpatia para Putin e para a ex-União Soviética.

Veremos no que isto vai dar.

Uma coisa é certa: a vida é cheia de surpresas – perdão, de milagres.

Que o diga José Mourinho, que desprezava a Liga Europa, dizendo que seria para ele «uma grande deceção» ganhá-la (por ser uma competição menor), e ficou tão feliz com a sua recente conquista que a considera um dos troféus mais importantes da carreira.

Falando agora um pouco mais a sério, é natural que a União Europeia – incluindo o ministro das Finanças alemão – esteja satisfeita com Portugal.

Schäuble não deseja o nosso mal – e a última coisa que a UE quer é que haja problemas aqui.

É natural que se tenha assustado quando a esquerda chumbou o Governo de Passos Coelho, que aos olhos dos parceiros europeus se tinha mostrado um político confiável.

Aí, a Europa preocupou-se a sério.

Até porque tinha o exemplo grego do Syriza, que tantas dores de cabeça dera a Bruxelas.

Só que, ao contrário do que sucedeu com a Grécia, o Governo de António Costa mostrou logo vontade de se portar bem.

E fez tudo o que a Europa pediu: refez os orçamentos à medida, prometeu cumprir as metas, está a diminuir o défice, não vai pedir a reestruturação da dívida, e ainda por cima conseguiu um crescimento razoável e garantiu a paz social, sem greves nem manifestações nas ruas.

Que poderia Bruxelas querer mais?

Se isto fosse possível noutros países, seria mesmo a solução ideal: um Governo cumprindo as regras ‘capitalistas’ da União Europeia e do euro, mas apoiado por toda a esquerda e pelos sindicatos.

A verdadeira quadratura do círculo.

Ou, dito de outro modo, mais um milagre!

O problema será quando o PCP e o BE começarem a pensar sair do barco, isto é, da ‘geringonça’, tendo em conta que só estão a perder votos com esta solução.

Marisa Matias já o disse, Jerónimo já o pensou e o diabo está à espreita.

Mas tenhamos fé!