Um viciado no aeroporto

Estava de regresso a Lisboa ao fim de três semanas de viagem e andava há cerca de quinze horas entre aeroportos e aviões. Como um viciado em drogas que não toma a sua dose há demasiado tempo, comecei a ficar ansioso: faltava-me alguma coisa para ler. 

Os livros que levara comigo nessa viagem já os tinha terminado dias antes, por isso quando fiz as malas arrumei-os juntamente com a restante bagagem de porão. Por conseguinte, no voo, nas escalas, em todos aqueles tempos mortos que se multiplicam nestas ocasiões, não tinha nada para ler.

Em Heathrow fui dar uma volta e entrei na WHSmith, uma daquelas livrarias de aeroporto que são iguais umas às outras em todo o lado. Não foi fácil encontrar um livro que realmente me interessasse, mas por fim lá acabou por aparecer: A Short History of Slavery (uma breve história da escravatura), de James Walvin. No dia anterior a este episódio tinha visitado a capital de Zanzibar, um antigo entreposto de escravos entre África, a Índia e o Oriente, onde vi o local do antigo mercado do tráfico humano. Isso chamou-me a atenção para um tema que nunca havia explorado antes. E queria saber mais.

No entanto, o livro de James Walvin (que entretanto já foi traduzido e editado em Portugal) não saciou a minha curiosidade. Evidentemente tem informação impressionante sobre o assunto e possui um aspeto curioso, que é transcrever relatos das condições em que viviam e trabalhavam as vítimas feitos na primeira pessoa. Mas, como tem apenas 230 páginas e cobre um leque temporal e geográfico que vai desde a Antiguidade e o mundo islâmico até aos dias de hoje, falta-lhe detalhe. Além disso, cerca de um terço do livro, se não mais, é dedicado à abolição da escravatura – algo muito caro aos britânicos, uma vez que Inglaterra teve um papel importante nessa luta, mas que não era exatamente aquilo que eu procurava.

Houve ainda outro aspeto que pode ter pesado na minha avaliação: uma gralha inofensiva (“Cueta” em vez de Ceuta) minou, de forma talvez subconsciente, mas decisiva, a minha confiança na informação ali depositada.

Seja como for, de modo nenhum dou por perdido o tempo que passei a ler este livro. Bem pior seria só ter durante o voo de regresso o material literário disponível na bolsa do banco da frente: a folha com as instruções de segurança do avião e a revista da companhia aérea, com os seus cantos dobrados, os seus textos superficiais e as suas páginas cheias de fotografias de perfumes e chocolates.