A revelação do ‘segredo’ do PS…

Nas Jornadas Parlamentares do PS, Ferro Rodrigues desancou nas oposições

O Estado de negação e o apagamento sistemático de memórias incómodas são ‘imagens de marca’ do atual PS, que atribui ao Governo anterior todas as malfeitorias e a responsabilidade pelo ‘empobrecimento do país’, reservando para si próprio todo o mérito da recuperação económica, da devolução de rendimentos e da ‘descrispação’ do país. Aos socialistas europeus caídos em desgraça, António Costa é apontado como um exemplo. Um study case…

Pelo menos foi isto o que se ouviu – ou ficou implícito – nas Jornadas Parlamentares socialistas, ocorridas em Bragança, e cujos ensinamentos importa reter.

De improviso, Ferro Rodrigues desancou nas oposições e louvou «a saúde política do PS» por ter sabido escolher uma via que «nem viabilizou um programa que lhe era estranho, nem aderiu a nenhum frentismo programático geral».

Disse isto sem se rir, depois de pendurar no bengaleiro o fato de presidente da Assembleia da República e a isenção que se esperaria de quem é a segunda figura do Estado.

Ferro Rodrigues nunca se distinguiu pelo ‘golpe de asa’, fosse como líder do PS ou da bancada parlamentar. Nas atuais funções, está nos antípodas da tradição cultivada por Jaime Gama, Almeida Santos, Mota Amaral ou Assunção Esteves, para citar apenas alguns dos seus antecessores no cargo.

Ainda todos nos recordamos do seu elogio de Sócrates, rasgando as vestes pelo ex-primeiro ministro – que, segundo ele, «resistiu até ao limite» ao resgate financeiro. Viu-se no que deu.

Ferro não tem emenda. E veio a terreiro, desta vez, atacar deputados da oposição, sem os nomear, declarando urbi et orbi que «estão desesperados e a perder o pé».

No formalismo da posse, ainda prometeu ser «o presidente de todas as senhoras e de todos os senhores deputados». Não é. E nunca será. Foi um erro de casting, rompendo com a prática habitual de ser o partido vencedor das eleições a indicar o nome elegível para o cargo.

O verdadeiro Ferro é aquele que exulta com o Governo apoiado num frentismo de esquerda. O ‘segredo’ do sucesso – na sua visão – assenta no paradoxo de que a união dos vencidos faz a força.

Quem oiça hoje António Costa, Ferro Rodrigues ou Carlos César, sem ter viajado para outra galáxia, arrisca-se a ficar seriamente aturdido.

O país chegou ao descalabro financeiro pela mão de um Governo socialista, mas os principais atores dessa peça, que deixou os portugueses de mão estendida, comportam-se como se não tivessem nada a ver com o assunto. E, no entanto, a derrocada da PT, o Aeroporto de Beja às moscas, as autoestradas do ‘lá vai um’, o afundamento do BES ou as famigeradas imparidades da Caixa não são ficções. Têm responsáveis.

O PS finge uma virgindade que perdeu há muito. O pecado, afinal, não mora ao lado.

Para afastar embaraços, é visível que Sócrates passou à história no PS, enquanto algumas boas almas procuram, denodadamente, fabricar ‘incidentes de suspeição’ sobre o juiz de instrução da Operação Marquês, Carlos Alexandre, numa conhecida técnica de desgaste, a ver se o arrumam num canto qualquer, juntamente com os magistrados do Ministério Público que teimam nas investigações.

A felicidade que iluminava Sócrates, no ciclo frenético interrompido em 2011, no limiar da bancarrota, é semelhante à que se nota hoje em António Costa, perante o ‘segredo’ revelado por Ferro Rodrigues, que lhe atribuiu o engenho de ter feito «a síntese entre dois eleitorados essenciais a uma maioria de progresso». Por outras palavras: amarrou o PCP e o Bloco e amarrou-se a ambos. A perfeita quadratura do círculo.

A euforia é tal que até Mário Centeno, que andou ‘incógnito’ durante a trapalhada na Caixa, reapareceu ativo e de ‘alma lavada’, desdobrando-se em entrevistas e ‘artigos de opinião’ nos sítios do costume.

A explicação mais piedosa para este afã é que Centeno «não se exclui» como candidato a presidente do Eurogrupo, o que o coloca em contramão com o primeiro-ministro em exercício, que já apoiou explicitamente o ministro espanhol da Economia.

De facto, há cerca de um mês, António Costa preconizou, em entrevista ao El País, que no caso do ministro espanhol Luis De Guindos estar disponível «seria o nosso candidato».

Sondado não se sabe por quem para substituir o polémico holandês Dijsselbloem, Centeno admite, porém, que se for ele o escolhido «será uma grande honra para Portugal». Não o faz por menos.

A coerência em Costa é uma flor de estilo. Mas a menos que tenha sido ‘driblado’ por Schäuble – que apelidou Centeno como «o Ronaldo do Ecofin» –, mal se compreenderia o seu volte-face.

O certo é que Centeno se sentiu ‘legitimado’ para dizer ao Expresso: «É evidente que não fecho a porta ao Eurogrupo». O problema é que, ao contrário do afamado futebolista, ele especializou-se em meter golos na própria baliza…