Hospitais gastaram 26 milhões de euros com tarefeiros no 1.º trimestre

Finanças autorizaram reposição do pagamento das horas extra no SNS, mas apertam cerco às prestações de serviço. A partir de ontem, unidades estão obrigadas a poupar 35% em tarefeiros. Serão avaliadas ao trimestre

Os hospitais do SNS gastaram 26,4 milhões de euros nos primeiros três meses do ano com prestações de serviço profissionais, rubrica em que dominam os gastos com os chamados médicos tarefeiros – pagos à hora para preencher buracos nas escalas das unidades. Apesar dos apelos para a limitação deste tipo de contratações, que devem ser “excecionais”, os últimos dados disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), analisados pelo i, revelam que continua a trajetória de aumento, ainda que ligeiro. Daqui para a frente, o Ministério das Finanças promete um controlo apertado. A partir de ontem, os hospitais estão obrigados a poupar 35% neste tipo de serviços, poupança que será avaliada trimestralmente por uma comissão com membros da Saúde e Finanças.

A medida surge como contrapartida orçamental à reversão dos cortes nas horas extra no SNS, uma das reivindicações que esteve por detrás da última greve dos médicos em maio. Mas as Finanças foram além do que estava previsto inicialmente. Em março, quando foram publicadas as normas de execução orçamental, as Finanças repunham o pagamento das horas extras (sujeito desde 2012 a um corte de 50%) mas só para os profissionais que trabalhassem em serviços de urgência e unidades de cuidados intensivos. Indicava-se já na altura que esta reposição seria acompanhada de maior controlo dos gastos, com os hospitais a não poderem gastar mais em horas extras e prestações de serviço do que no período homólogo e a passarem a ter de enviar informação mensalmente às Finanças, dados que até aqui só eram coligidos pelo Ministério da Saúde.

Agora, num decreto-lei publicado na segunda-feira, a reversão parcial do cortes nas horas extra é alargada a todos os médicos, com efeitos retroativos a abril. Mas a pressão sobre os gestores hospitalares será maior: não só não podem gastar mais, como têm reduzir os encargos trimestrais em pelo menos um terço face ao ano passado.

Equação sem margem para falhar

Os gastos com tarefeiros são uma pequena parte das despesas com pessoal nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde – segundo os últimos dados da ACSS, referentes ao primeiro trimestre desde ano, representaram 3,68% das despesas com salários, que ainda antes da reposição do pagamento das horas extra já estava em rota ascendente. Nos primeiros três meses do ano, as despesas com salários nos hospitais totalizaram 718,5 milhões de euros, mais 5,5% do que no mesmo período do ano passado, o que resulta em parte da devolução dos cortes nos salários na função pública iniciada em 2016.

Mas se há hospitais onde o recurso a tarefeiros é residual, noutros representa mais de um décimo das despesas com salários e é nestes que a medida poderá ter mais impacto, indicaram ao i fontes hospitalares.

De acordo com as estatísticas da ACSS analisadas pelo i, a Unidade Local do Litoral Alentejano e o Centro Hospitalar Médio Tejo (ver tabela) são as que têm um maior peso de prestações de serviço nos seus custos com pessoal. Nesta lista dos que mais recorrem a tarefeiros, tendo em conta as suas estruturas de pessoal, estão unidades que, nos últimos anos, têm tido dificuldade em contratar e fixar médicos, o que é uma das variáveis na nova equação que os hospitais têm pela frente. O envelhecimento dos médicos nos quadros do SNS, que deixam de ter de fazer urgências à noite aos 50 anos, é outra.

Sendo a regra das Finanças para cumprir, os serviços não poderão fechar – e é nas urgências que mais se recorre aos tarefeiros. Mesmo que mais médicos façam horas extras com a reversão dos cortes, em algumas unidades isso pode não ser suficiente para gerar a poupança pretendida. E o novo diploma não deixa grande margem: “Os atos praticados em violação da presente norma são nulos e a violação da mesma determina responsabilidade civil, financeira e disciplinar por parte dos gestores das entidades abrangidas pelo regime estabelecido no presente”, lê-se no decreto-lei que revê as regras de execução orçamental. “Vai ser muito complicado em algumas unidades”, disse fonte hospitalar.

No primeiro trimestre, o número de funcionários no SNS aumentou 2,8%, com mais 3527 enfermeiros, médicos e outros profissionais do que há um ano, revelam os últimos dados da ACSS. Mas as substituições continuam a não ser tão céleres como desejavam os gestores, com lacunas por preencher no dia-a-dia em substituições por doença ou gravidez.

Na semana passada, num artigo de opinião no “Observador”, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares alertou para a demora na resposta aos pedidos de investimento nos hospitais por parte das Finanças, apelando a mais autonomia na gestão como parte da solução. “A mãe Saúde pede mais acesso (consultas e cirurgias), mais qualidade e quer conter os custos. O pai Finanças restringe o orçamento e aumenta custos com a reposição de salários e valor das horas extra”, lamentava Alexandre Lourenço, que ontem não estava disponível para comentar as novas regras, por se encontrar ausente do país.