Eleições britânicas. Parlamento suspenso à vista

Primeiras projeções, à boca das urnas, apontam para vitória dos conservadores, mas com apenas 314 deputados, contra 266 dos trabalhistas. Confirmando-se estes resultados, May falha a maioria e perde parlamentares. Os resultados oficiais por círculo eleitoral vão ser revelados durante a madrugada de amanhã

As primeiras projeções das eleições britânicas confirmaram um dos piores cenários possíveis para o Partido Conservador. De acordo com o mesmo, o partido da primeira-ministra Theresa May não só perdeu deputados como foi incapaz de lograr os 326 deputados necessários para liderar uma maioria torie na Câmara dos Comuns de Westminster. Com 314 deputados previstos – longe dos 331 conseguidos por David Cameron -, May vê-se obrigada a falar com outros partidos para evitar uma situação de “parlamento suspenso.

Já o Partido Trabalhista confirmou os sinais oriundos das últimas semanas de campanha e, segundo os primeiros números, prepara-se para eleger 266 parlamentares – mais 34 que nas eleições de 2015. O Partido Nacionalista Escocês aponta aos 34 deputados e os Liberais Democratas aos 14. O partido nacionalista UKIP não deverá eleger qualquer deputado.

No Reino Unido, um dia normal de eleições legislativas estende-se, literalmente, durante 24 horas. Entre hoje e amanhã, o ritual repetir-se-á. Entre as 7h e as 22h desta quinta-feira foi dada a oportunidade de voto aos quase 47 milhões de eleitores britânicos registados, no âmbito da snap election – por cá, usualmente traduzida como eleição antecipada – convocada de forma surpreendente por Theresa May. Uma hora mais tarde serão revelados os primeiros resultados oficiais, nos bastiões trabalhistas da região de Sunderland, num momento que inaugura uma série de anúncios semelhantes, pela madrugada fora, com a grande maioria das 650 circunscrições a revelarem, de 30 em 30 minutos e de acordo com uma agenda predefinida, os escolhidos dos seus eleitores. Até às 7h de amanhã.

Foi, portanto, tendo em consideração todos estes passos que os britânicos e o resto dos interessados receberam as primeiras projeções, pouco depois das 22h e do fecho oficial das urnas, cientes da longa madrugada eleitoral que aí vem e que só no dia seguinte lhes trará os resultados finais de uma das eleições mais atípicas da extensa e duradoura história democrática do Reino Unido. 

Volvidos apenas dois anos da vitória contundente do Partido Conservador, que testemunharam ainda uma dolorosa crise identitária no seio do Labour Party, com a realização de duas eleições internas – ambas deram a vitória ao “rebelde” Jeremy Corbyn -, e uma verdadeira rutura entre a cúpula e as bases trabalhistas, os britânicos foram chamados às urnas antes do tempo – as próximas legislativas estavam previstas para 2020 – para atender às consequências políticas de uma outra votação, provavelmente mais importante que a de ontem ou a de 2015: o referendo ao abandono da União Europeia.

Foi precisamente com os olhos fixados nas duras negociações que estão aí à porta, com vista ao imprevisível Brexit, que May propôs antecipar as eleições – depois de meses e meses de rejeição de tal hipótese – há sete semanas, numa altura em que a grande maioria das sondagens atribuíam aos tories uma confortável margem de cerca de 20 pontos percentuais sobre o Partido Trabalhista. Cenário perfeito, então, para o partido da primeira-ministra poder reforçar a sua maioria de 17 deputados na Câmara dos Comuns e, dessa forma, encarar Bruxelas com a legitimidade que lhe parecia faltar.

Alicerçada numa estratégia, pouco convincente, de evitar confrontos televisivos com os seus opositores e de repetir, até à exaustão, que o governo está comprometido em cumprir o mandato atribuído pelos 51,9% dos participantes no referendo de junho do ano passado que votaram favoravelmente a saída do Reino Unido da UE, através da opção por um hard-Brexit, a líder do executivo britânico também não conseguiu esconder, durante as últimas semanas, uma certa falta de carisma. Pelo meio envolveu-se numa autêntica embrulhada ao sugerir um aumento nos encargos dos britânicos relativos ao NHS – o serviço nacional de saúde – e rejeitar essa mesma hipótese, dias depois, na apresentação do programa eleitoral dos conservadores, e foi criticada pelos cortes no orçamento da polícia e em segurança interna implementados pelo Ministério do Interior que liderou durante seis anos, numa altura em que os britânicos estão em alerta máximo, fruto de três ataques terroristas em dois meses.

Do outro lado da barricada, Corbyn renasceu das cinzas e trouxe para o centro do debate público um partido que muitos jornais conservadores britânicos previam poder vir a “morrer” nestas eleições. Consciente de que as eleições não se esgotavam no Brexit, o veterano trabalhista acenou aos eleitores com promessas de propinas grátis, salários mais elevados e melhores pensões. A elaboração de um manifesto onde faltavam algumas das principais bandeiras políticas de Corbyn – como o abandono da monarquia, a nacionalização da banca ou o fim do programa nuclear britânico – e a aparente capacidade de mobilização de franjas do eleitorado que, aparentemente, teriam passado para o lado tory, no pós-referendo, contribuíram para que o Partido Trabalhista escalasse a montanha que o separava de Theresa May, e surgir, nas sondagens, com com uma desvantagem próxima de 8%.

Mas como entre a confirmação da data das eleições e o dia de ontem surgiram intermináveis inquéritos, com previsões e cenários para todos os gostos, e no Reino Unido parece ser quase tradição ver a maioria das sondagens falharem – veja-se a vitória sensacional de David Cameron, em 2015, ou o próprio resultado do referendo à permanência na União -, ontem à tarde, o “Guardian” já antevê uma manhã de “embaraço” para algumas empresas daquele tipo de estudos.

Para já a única certeza é que, caso se confirmem as primeiras previsões, parece confirmar-se o pior cenário para May e, segundo diversos analistas, para o país. Sem uma maioria na Câmara dos Comuns, os conservadores terão de procurar coligações, de forma a garantir as condições mínimas para assumirem o governo. Tal como em 2010, os Liberais Democratas afiguram-se como candidatos à junção de forças. O problema é que são liderados por Tim Farron, um dos mais acérrimos defensores do remain e um dos principais críticos da estratégia definida pela primeira-ministra para o Brexit. Depois de Cameron, que caiu após o referendo, May pode ser a próxima vítima de suicídio político no seio dos tories. 

Os resultados finais deverão ser conhecidos por volta das 6h da manhã.