Gaélico no caminho de Tipperary

As finais do All Ireland Championship têm mais de 80 mil espetadores! São sempre em setembro. O campeonato está em curso.

Os golos marcam-se dentro (3 pontos) ou sobre a baliza (1 ponto). Sim, isso mesmo. Nada de espantos. Falamos do peil, ou caid, ou mais prosaicamente futebol gaélico, o desporto mais popular da Irlanda. São quinze para cada lado, mete guarda-redes, o que o difere do rugby, tal como a bola redonda, como no futebol dito ‘association’. É velho como a noite dos tempos mas, já se sabe, só entra nos cadernos da historiografia a partir do momento em que se estabeleceram regras que permitiram ser exatamente o mesmo jogo em todo o lado e não uma amálgama de disputas, cada uma à sua maneira.

Demos uma olhada a um curioso organismo denominado Cumman Lúthcheleas Gael. Isto é: Gaelic Athletic Association. Foi fundada no dia 1 de novembro de 1884. O objetivo era, e é, a promoção dos Jogos Gaélicos – o hurling, que tem muitas semelhanças com o futebol gaélico, o camogie, hurling feminino e, lá está, o futebol e o andebol gaélicos,

Questão de orgulho pátrio? Sim, sem dúvida. Um toque único da religiosa Irlanda de que falava Cesário Verde.

Desenrolar aqui o rol das regras, seria fastidioso. E pouco agradável, portanto. Explique-se, por seu lado que, em termos competitivos, a modalidade observa a disputa de um campeonato a nível nacional ao qual têm acesso as seleções de cada condado: All-Ireland Senior Football Championship. Vivido com um entusiasmo absolutamente vibrante por toda a ilha, inclusive naquele enclave governado por Sua Majestade Isabel, segunda do nome, que conhecemos por Irlanda do Norte. E, aqui, vale a pena lembrar que, no rugby, a seleção da Irlanda aglomera não apenas os jogadores da República da Irlanda (o Eire), mas também os seus vizinhos do Ulster. 

 

Jogos Funerários!

A competição disputa-se desde o já longínquo ano de 1887 – a final foi entre o Clonskeagh e o Commercials, com vitória deste último. É de estalo! E, curiosamente, só teve um ano de interrupção, a despeito de todas as vicissitudes que, aqui e além, foram embaraçando o seu natural desenvolvimento. Esse ano foi o de 1889, logo o seu segundo de vida. Por causa de outra estranha idiossincrasia irlandesa até ao fundo da alma. E o termo alma até vem a propósito. Um movimento denominado American Invasion Tour impediu que o campeonato chegasse ao fim. A finalidade desse movimento foi recolher fundos que permitissem reavivar os Jogos Funerários, manifestações desportivas de diversas modalidades regionais em homenagem a alguém preponderante recentemente falecido.

A iniciativa deu, como costuma dizer o povinho, de Silvas Cura a Santiago de Riba Ul, com os burrinhos na água. Na época seguinte, o All Ireland Championship retomou a sua velocidade cruzeiro, nesse tempo ainda com a participação de ingleses, uma seleção da cidade de Londres. A região de Tipperary tornou-se uma potência. Muito antes de ficar famosa pela canção de Jack Judge, It’s a Long way to Tipperary, berrada a plenos pulmões pelo contingente irlandês dos Conaught Rangers na sua marcha em direção a Boulogne, durante a I Grande Guerra.

A primeira edição da prova foi a única disputada totalmente em sistema de taça: ou seja, eliminatórias consecutivas até à final. Marcou o desenrolar das épocas – início nos meses de Verão com a final a disputar-se nas últimas semanas de setembro. Setembro é, aliás, o mês desportivo por excelência dos desporto gaélicos. Cada domingo recebe a decisão de uma das modalidades organizadas pela GAA.

Em 1895, fixou-se Croke Park, em Dublin, como o estádio nacional do futebol gaélico. Todas as finais passavam a ser aí disputadas e a alegria que as rodeava era tão intensa que, por várias vezes, a sua capacidade teve de ser aumentada. Ao ponto de, a partir de 1999 chegar a albergar mais de 80 mil espetadores o que faz dele um dos maiores recintos desportivos do mundo.

1928 foi outro ano marcante: o vencedor passou a ser presenteado com um troféu que levou o nome de um antigo jogador e dirigente – Sam Maguire. Troféu esse que, nos dias de hoje, vale cerca de 25 mil euros.

A última década trouxe consigo o domínio de Dublin na competição. Quatro títulos desde 2010, sobrando para Cork, Donegal e Kerry os restantes. Campeão pela primeira vez em 1891, soma 26 campeonatos contra os 37 do Kerry. O seu poder financeiro é considerável para o meio. Recentemente, assinou um contrato de patrocínio com a empresa americana de seguros, AIG, por 4 milhões de euros. 

 

Londres e Nova Iorque

A época de 2017, transmitida em direto tanto pela RTE, televisão pública da Irlanda, a BBC NI e pela Sky Sports, tem a final marcada para o próximo dia 17 de Setembro. É disputada por trinta e três equipas – trinta e um dos trinta e dois condados irlandeses (Kilkenny tem optado pela ausência, talvez por preocupações adicionais com a cerveja), Londres e Nova Iorque. A profunda ligação entre Nova Iorque e a Irlanda, desde o tempo do Mayflower, fez com que os desportos gaélicos tenham sido sempre defendidos por diversas comunidades irlandesas do outro lado do Atlântico. E, enquanto Londres regressava às origens, a Big Apple surgia em representação dos 22 clubes nela filiados. Com todo o direito. Poucas cidades terão tantos irlandeses.