E as crianças, senhor?!

Esta frase foi escrita há quase cem anos por Augusto Gil, a propósito de uma neve poética que caía não sabemos bem onde.

no passado sábado, dia 4 de agosto, no jardim constantino, no centro de lisboa, um pedófilo fechou um rapaz de 8 anos numa casa de banho pública e abusou dele sexualmente.

os pais gritavam à porta. a criança chorava e o abusador dizia: «tenham calma».

a população passava meio indiferente, a situação durou meia hora, segundo toda a comunicação social.

o homem saiu finalmente do wc, com as calças na mão, altura em que alguns passeantes e os pais se tomaram de brios e lhe deram meia dúzia de murros.

só depois chegou a polícia.

há cerca de um mês, um juiz condenou com pena suspensa outro abusador confesso, porque este se mostrou arrependido e prometeu nunca mais se portar mal.

toda a investigação disponível demonstra que qualquer criança abusada fica marcada para toda a vida, a nível físico, psíquico e emocional. nalguns casos, tornam-se em adultos cidadãos associáveis, porque a sua raiva foi mal canalizada.

outros conseguem sublimar, mas nunca esquecer.

quase todos os jovens arrumadores de lisboa fizeram percursos que começaram em abusos sexuais na família, nas instituições ou no parque eduardo vii. daí às drogas foi um instante. da dependência das drogas à marginalidade foi outro.

sorte a dos que viraram arrumadores de carros.

depois do processo casa pia e da impunidade da qual continuam a gozar os réus condenados, os restantes tarados convenceram-se de que a impunidade era democrática – e o fenómeno generalizou-se com o despudor que se vê.

as situações noticiadas são diárias e os responsáveis são, como sabemos, em grande número pedófilos compulsivos.

com tantas matas para limpar, o que estão estes criminosos a fazer nos jardins públicos?

o comissário do conselho da europa para os direitos humanos, nils muiznieks, tornou público a 10 de julho um relatório produzido depois de uma visita a portugal.

alertou as autoridades para o facto de crianças portuguesas estarem a emigrar para outros estados-membros da ue, com o objectivo de serem usadas em trabalho infantil. como a legislação europeia, no que respeita ao trabalho de crianças, é idêntica em todos os países, só pode tratar-se de trabalho ilegal, talvez nas suas piores formas.

durante a última década tínhamos conseguido inverter o sentido deste flagelo. em 2012, graças à santa troika e à sagrada austeridade, as nossas crianças são de novo ‘vendidas’ para pagar dívidas que não fizeram.

custe o que custar… doa a quem doer.

há limites. caso contrário, mais vale vender já o rectângulo todo.

catalinapestana@gmail.com