A super delação

Entre Carlos Alexandre, Sérgio Moro, Baltazar Garzón, António Di Pietro e Edward Snowden, a audiência das Conferências do Estoril escolheu os juízes, ou melhor os super-juízes.

É verdade que Snowden não veio, apresentou-se por telepresença, mas ainda assim a receção aos juízes foi apoteótica, tendo até despertado mais interesse do que o americano.

Quando os quatro entraram na sala, veio-me à memória o filme Os Intocáveis, do realizador Brian de Palma, de 1987, com argumento de David Mamet, sobre a luta dos polícias contra Al Capone durante a Lei Seca nos Estados Unidos. A reação entusiástica da plateia não deixou margem para dúvidas: aqueles eram os bons contra os maus.

A luta de Carlos Alexandre em Portugal (notabilizado nos processos que envolvem o ex-primeiro ministro Sócrates e o banqueiro Ricardo Salgado), a par de Moro, Garzón e Di Pietro, juízes famosos pela luta contra a corrupção, agrada às pessoas. Nenhum político português, nem mesmo o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, suscita aquele frisson.

Alguma coisa sucedeu para que os juízes se tenham tornado estrelas no firmamento democrático, enquanto os políticos veem a sua luz apagar-se.

Um dos motivos para a popularidade, a julgar pelas pessoas em presença, pode ser a luta contra a corrupção que envolve poderosos, quase sempre políticos. Como sabiam ao que vinham, os juízes falaram sobre a ‘delação premiada’, tendo o juiz italiano sido aquele que procurou fazer uma elaboração teórica mais consistente e menos pragmática da controversa figura. Percebe-se que este será o próximo grande tema da Justiça portuguesa.

A fazer o contraponto, esteve Nuno Garoupa, professor de Direito, atualmente a lecionar nos EUA. Começou por interpelar a plateia dizendo que era fácil concordar que temos de combater a corrupção, muito mais difícil é debater sobre aquilo em que não estamos de acordo. Avançou para a relação entre poder judicial e poderes políticos: a classe política é hoje mais corrupta do que há vinte anos? Os juízes são mais ativistas hoje? E, se sim, são todos ou só alguns? É a sociedade que está mais interventiva e menos tolerante do que no passado? De seguida, elencou as consequências: pressão na justiça criminal, pressão na judicatura, pressão na classe política. Estamos a politizar a Justiça? Estamos a judicializar os partidos?

O especialista terminou chamando a atenção para o facto de, nas últimas eleições legislativas, os partidos políticos não terem sequer apresentado nos seus programas propostas distintas, dizendo todos mais ou menos a mesma coisa.

Perante tudo o que está em causa, bem sintetizado por Nuno Garoupa, cairmos apenas na discussão da ‘delação premiada’, por mais super que seja, não vai resolver todos os nossos problemas.

sofiarocha@sol.pt