13 de junho de 1931. Do decreto 19860 ao cabaret Galo d’Ouro

Setecentos anos após a morte de Fernando, noviciado em António, o governo tornava o feriado oficial. Planearam-se festas, romarias, concursos. Houve uma noite especial no Parque Mayer…

13 de junho de 1931. Feriado.

“Ora”, dirá o meu tão estimado leitor, “isso toda a gente sabe!” Pois. Mas até aí não sabia. Ou melhor: nem tinha de saber. Porque, pura e simplesmente, não era feriado. Isto é: passou a ser feriado a partir de então.

Deite-se o olho a esta prosa satisfeita: “O governo, guardando e reconstituindo com carinho a tradição quanto ao mais humilde dos homens que, no mundo, se chamou Fernando Bulhão, e quando noviciado franciscano adotou o nome de António, hoje conhecido por toda a parte como Santo António de Lisboa, ou Santo António de Pádua, deu a mais completa satisfação ao povo português, fazendo do dia de hoje feriado obrigatório.”

Obrigatório, sublinhe-se.

Comemorava-se o sétimo centenário da morte da grande figura. Planeavam–se festas. Festas populares, claro, não há santo mais popular do que António Bulhão, ou de Bulhões.

Milagres em barda: cura de doentes, reconstrução de um copo quebrado, cura de um paralítico, falar aos peixes, fazendo águas milagrosas com a sua simples bênção.

Só a do copo quebrado me faz espécie. Mas enfim…

Decreto-lei 19860. Secretaria-geral do Ministério do Interior.

Leia-se, leia-se: “O decreto que determina o feriado no dia de hoje veio estimular o povo a reviver as tradições do santo, incitando-o a procurar festejar o dia com as maiores solenidades, e foi assim que várias empresas de espetáculos procuraram proporcionar-lhe festejos de toda a categoria, destacando a empresa do aprazível cabaret Galo d’Ouro, no Parque Mayer, que organizou um programa exemplar disponibilizando aos seus clientes vários descantes, toques populares pela sua magnífica orquestra, havendo distribuição grátis do tradicional manjerico e vários brindes, tudo confortado com um ótimo serviço de restaurante e bar e a presença de uma assistência polvilhada de senhoras, rigorosamente selecionada, embora com entrada gratuita, que toda a noite se divertiram com variedades e surpresas, dançando as danças populares do vasto repertório da sua orquestra.”

Santo António no cabaret??? Esta é de escacha!, como diria o velho Eça.

Vale que o bom povo não se ficou pelo Parque Mayer.

Alfama

No Largo do Salvador, segundo os registos da época “linda e ingenuamente decorado”, houve um concurso de janelas enfeitadas, ganho pelo inevitável marceneiro José Nunes da Costa, um artista que poderia ter dado um belíssimo santeiro presepista.

Beiral das andorinhas: era essa uma das suas janelas. Beiral de madeira e andorinhas de louça, como as que décadas depois invadiram as lojas de bricabraque. E franjas e rendas de papel um pouco por todo o lado.

Armaram-se bufetes. Bailou-se como no tempo do senhor D. Pedro, entre dois bois assados e odres de vinho. Havia um coreto, pleno de grinaldas.

“Ai, meu rico Santo Antoninho…”, suspiravam as moças casadoiras à espera de noivo.

Pela Rua Castelo Picão, Travessa das Cruzes, Pátio do Peneireiro. Cravos vermelhos e alcachofras, roxas, em flor.

“Na Igreja de Santo António, ali à Sé, o altar do orago está iluminado de velas, algumas bruxuleando, promessas cumpridas, milagres feitos, orações que se extinguem. O Santo, como sempre, cumpriu. Maria da Saudade se deve chamar esta rapariguinha que, de joelhos, dá a volta à nave. Será dela aquela cartinha dobrada em coração que está entalada na moldura do retábulo de Santo António? É, com certeza! E se ele ainda faz milagres!”

O milagre de casar Maria da Saudade?

Não fosse o santo casamenteiro como ninguém, tão do gosto das vizinhas que se cruzam às janelas pedindo raminhos de salsa para temperar a sopinha.

No Parque Helena, na Rua Marquês de Fronteira, a caridade foi rainha. O produto das festas foi para a simpática instituição Florinhas da Rua.

No Centro Espanhol houve espaço para verbenas.

No meio da azáfama, tanta gente trabalhava. E isso provocava escândalo, quem diria? Ele aqui fica, o escândalo, em letra de imprensa: “Os feriados nacionais! Quem os respeita em Lisboa? Não obstante estarmos a falar de leis, de determinações decretadas por quem de direito. Respeita-as o Estado, nas suas repartições, respeitam-nos as casas bancárias e respeitam-nos os estrangeiros em seus serviços comerciais ou industriais. Mais ninguém, ou pouco menos. Passam-se coisas nesta terra que chegam a não ter explicação à força de incompreensíveis. O comércio lisboeta, na sua grande maioria, faz tábua rasa dos feriados por mais que os Governos se esfalfem a decretá- -los como Lei”.

A partir desse ano de 1931, junho o mês, havia mais um feriado em Lisboa. Dia 13 – 700 anos cumpridos sobre a morte do taumaturgo.

Nessa noite, no Coliseu, tivemos a festa das quadras. “O Fado da Maria Zuncha” deu brado de popular e expressivo…