Goa. Santos Antónios da praia à beira do paraíso

O futebol popular no antigo território português faz-nos ir ao encontro de nomes curiosos e de uma espécie de país que já não há. E dois clubes chamados St. Anthony na final da Taça de Benaulim.

Se há lugar na Índia onde o futebol pode fazer frente ao críquete em popularidade, esse lugar é Goa, o mais pequeno estado da União. Influência portuguesa, com certeza. A colonização inglesa foi sobretudo uma colonização de classes altas ou burguesas. Ou seja, gente que preferia o críquete, o polo ou o râguebi. Nota-se. O futebol era o desporto popular por excelência. O povo só marchava para a Austrália, para a África do Sul ou para a Índia por questões militares ou para encher as celas das prisões ultramarinas.

Goa é, assim, uma espécie de ilha do jogo. Um pouco por toda a parte se abrem ervados cheios de buracos com uma baliza de cada lado. Às vezes, as redes são de pesca. Em Colva, perto de Margão, cidade que alberga o grande estádio da região, no subúrbio de Fatorda, o campo do_St. Anthony fica do lado esquerdo de quem chega e se dirige à praia grande, de areia branca, pejada de coqueiros sobre os quais crocitam os corvos.

Santo António é o santo de Colva.

St. Anthony, portanto, já que o inglês é língua preferida e poucos, muito poucos e muito velhos, sabem algo de português.

St. Anthony é o clube de futebol de Colva.

A última vez que estive em Colva vi o St. Anthony defrontar o Sporting_Club de Davorlim para a meia-final da Taça do Panchayat de Cana-Benaulim.

Panchayat é uma divisão administrativa._Um concelho, se quiserem.

O_St. Anthony nunca esteve no principal campeonato goês. Com os grandes da região: Vasco da Gama, Churchill Brothers, Salgaocar, Dempo, Sporting_Clube de Goa.

A Associação de Futebol de Goa organiza nove competições: a principal é a Goa Pro League; seguem-se a First Division League, Second Division League e Third Division League. Finalmente há uma primeira e uma segunda divisão para equipas de jogadores abaixo dos 20 anos e mais três campeonatos de formação, sub-18, sub-16 e sub-14.

Nesse St. Anthony-Davorlim estiveram em campo muitos jogadores com apelidos portugueses: Agnelo Colaço, Joston Pereira, Kith Rodrigues, Denzel Dias, Venson Figueiredo, Valkimi Miranda, Joseph Pereira, Fanslon Correa, Clinton Rebello.

O St. Anthony ganhou por 4-3 e a festa foi rija. Toda a gente correu para os bares da praia para beber cerveja Kingfisher.

Os nomes podem ser portugueses, mas quem os usa nada tem de português.

No tempo da conversão obrigatória, em 1560, as famílias de Goa foram batizadas com os nomes cristãos dos patrões. Conveniente e incontrolável.

Santos Antónios Curiosamente, a final do ano passado da tal Taça do Panchayat de Cana-Benaulim foi disputada em Junho, mês de Santo António, por dois Santos Antónios.

Explico: o St. Anthony Sports Club de Colva defrontou o St. Anthony Sports Club de_Assolna.

Assolna fica a sul de Colva. Depois de Benaulim, de_Varca e de Carmona.

Carmona: outro nome que resiste ao tempo.

Assolna não fica junto ao mar. A praia mais perto é Cavelossim.

Em junho costuma chover em Goa.
É altura de começarem as monções. Os dois St. Anthony jogaram sobre um terreno encharcado, a bola mal rolava nas poças grandes de água castanha. O encontro teve lugar em_Benaulim, no campo de São João Baptista.

Mais uma vez havia muitos apelidos portugueses de um lado e do outro. Socorro Fernandes, por exemplo, era o defesa central do_St. Anthony de Assolna, considerado o melhor jogador da competição. Os prémios são curtos: o vencedor, o Santo António de_Assolna, recebeu 50 mil rupias. Um euro corresponde a pouco mais de 70 rupias. O Santo_António de_Colva teve de se contentar com apenas 40 mil.

Cada vez há menos católicos em_Goa, mas as igrejas florescem por toda a parte. O reverendo Lucio Dias (assim mesmo, sem acento), vigário episcopal de Goa Sul e padre da igreja de_São_João Baptista de Benaulim, foi anfitrião da festa futebolística. Entregou a taça e prémios individuais a Minguel Hilario, Johson D’Souza e Romario Fernandes. Os nomes portugueses, em Goa, tendem a ser escritos de forma um pouco estranha.

Havia uma grande comitiva oficial nesse dia de chuva em Benaulim. Os edis Caitano D’Silva, Camilson Fernandes e Remy_Fernandes; Patrick Dourado, escritor e diretor do jornal “The_Goan Everyday”; Liberata Rebello, uma das incontornáveis figuras da cultura goesa.

Quem vai antes ver futebol a Fatorda, ao Estádio Jawarharlal Nehru, com capacidade para 25 mil espetadores, tem direito a um pouco mais de qualidade. Há alguns estrangeiros nas equipas principais: os nigerianos Chidi Felix e Chika Wali e o tobaguenho Marcus Joseph, no Dempo Sports; o ganês Francis Dadzie, no Sporting Clube de Goa; ou os brasileiros Reinaldo Oliveira e Júlio César Souza no FC Goa, a equipa que representa a região na Indian Super League, o novo campeonato profissional indiano, e que já foi treinada por Zico.

Ir às raízes do futebol popular, quase espontâneo, é uma experiência totalmente diferente. Uma espécie de viagem no tempo e a um Portugal de aldeias que já não há. As pessoas vão passando e param. O fascínio infantil da bola.