O trânsito está um inferno e não tinha de ser assim

As intervenções na qualificação do espaço público pioraram a vida dos lisboetas. 

As obras em Lisboa tiveram uma virtude: a cidade está mais bonita, mais agradável à vista. As intervenções feitas no espaço público convidam a passear, a andar de bicicleta, de um modo geral a usufruir da cidade. Isso é bom! 

Mas é igualmente evidente que cada intervenção implicou dificuldades acrescidas para a circulação de automóveis e de transportes públicos, e menos lugares de estacionamento. Algumas ruas estão mais bonitas, mas circular na cidade tornou-se um inferno a toda a hora e por toda a cidade.

É um facto que os automóveis são uma fonte importante de emissões poluentes para a atmosfera e de consumo de energia não renovável. Mas o automóvel é uma ferramenta fundamental para as famílias e para as empresas. Impor violentamente dificuldades em circular ou em estacionar sem cuidar de garantir alternativas é uma imposição injusta e insuportável.

As intervenções na qualificação do espaço público pioraram a vida dos lisboetas. 

Claro que, quando as condições meteorológicas permitem, é bom passear ou andar de bicicleta na Lisboa renovada ao fim de semana. Os turistas também gostam. Mas foi esquecido quem vive em Lisboa e já não encontra estacionamento; quem precisa de utilizar o automóvel para transportar crianças à escola ou idosos a unidades de saúde; ou quem tem de trabalhar utilizando o automóvel. Para todos estes, as obras de Lisboa significaram um desrespeito pelas suas vidas durante, pelo menos, cinco dias da semana.

Reduzir a circulação de automóveis na cidade não se faz tornando a vida das pessoas num inferno.

Faz-se, em primeiro lugar, evitando a entrada de automóveis na cidade. 

Está prevista a criação, nos próximos anos, de 4.000 lugares de estacionamento em parques dissuasores. Se considerarmos que diariamente entram em Lisboa 400.000 automóveis, concluímos que se resolve 1% do problema. 

Por outro lado, impõe-se criar uma rede ‘metropolitana’ de transportes eficaz. Sobre este aspeto, basta dizer que não existe sequer articulação — quanto mais qualquer início de concretização de alguma ação.

A seguir, importa promover a utilização de transportes públicos no interior da capital – mas, para isso, é imprescindível aumentar a sua oferta e o grau de eficácia. 

Neste aspeto, segundo o atual presidente da Câmara, a municipalização da Carris será uma peça essencial para alcançar estes objetivos. No entanto, o plano estratégico da Carris recentemente conhecido refere que só haverá mais autocarros a circular daqui a dois ou três anos. Já em relação à circulação, a tendência será para piorar, acompanhando as crescentes dificuldades de trânsito na cidade. 

Temos também o Metropolitano como peça-chave. No entanto, para além do facto de a Carris não assegurar uma articulação desejável com o Metro, o atual serviço que este oferece é péssimo. E a expansão da rede só será uma realidade daqui a cinco anos.

Em Lisboa, começou-se pelo fim: primeiro, forçaram-se restrições à circulação automóvel; depois (daqui a uns anos), criar-se-ão alternativas. Entretanto, teremos um inferno todos os dias.

É tão fácil quanto irresponsável transtornar a vida das pessoas. As obras realizadas no espaço público em Lisboa demonstram-no. As pessoas sentem-no todos os dias. Não tinha de ser assim: bastava fazer as coisas pela ordem certa e com respeito pelos que vivem ou trabalham na capital.