A marcha na cauda da Europa

Há um pequeno país na periferia da Europa que é mais conservador que todos os outros e onde os partidos tradicionais ainda são e continuarão a ser determinantes

O processo eleitoral francês – presidenciais e legislativas – culmina amanhã sem as consequências calamitosas para a Europa que tantos, lá fora e cá dentro, temeram. Os cenários de uma França sob a bota da extrema direita ou ingovernável não se confirmaram.

Marine Le Pen chegou à segunda volta das presidenciais, mas foi metida no seu lugar nas legislativas. A extrema esquerda também. O PCF confirmou a sua inexistência e o PSF acabou esmagado.

Emmanuel Macron ganhou as presidenciais e limpou as legislativas. O movimento En Marche!, em poucos meses, conquistou o poder na sua máxima expressão democrática: um Presidente, um Governo, uma maioria no Parlamento.

Não há qualquer risco de ingovernabilidade nem ameaça para a opção europeia dos franceses.

Na Alemanha, daqui a poucos meses, veremos o que acontece. Mas não será de estranhar que Angela Merkel continue chanceler e o SPD acabe derrotado apesar da esperança renovada que a entrada em cena de Martin Shulz gerou.

Para os franceses e não só, o processo eleitoral de 2017 que termina amanhã, paradoxalmente, significa uma mudança radical interna: com a derrota dos aparelhos partidários tradicionais e, sobretudo, com o afundanço do Partido Socialista.

Passaram-se décadas, mas a verdade é que ainda vivemos as consequências e efeitos da queda do Muro de Berlim, do desmantelamento da URSS, do fim do Pacto de Varsóvia e da Guerra Fria.

Fatal para os partidos comunistas da Europa, teve efeitos deferidos nos Partidos Socialistas (descaracterizados pela Terceira Via de Blair e de Clinton… e de Guterres) e indiretos nos democratas cristãos (que viram o liberalismo radical repudiar a doutrina social da Igreja, curiosamente absorvida pelos socialistas) e sociais-democratas (tomados pelos liberais). Europa fora.

Em todos? Não. Há um país periférico, na cauda da Europa, que é mais conservador que todos os outros e onde os partidos políticos tradicionais, com maior ou menor ortodoxia ideológica, mantêm-se representativos do povo.

Ele houve e há epifenómenos, como o PRD eanista – que Alfredo Barroso (no i) compara ao En Marche! de Macron – ou, mais recentemente o PDR de Marinho e Pinto – que Pacheco Pereira bem clama não dever ser desvalorizado (na Sábado) – ou o PAN de André Silva – que tem um assento no Parlamento. Efémeros e condenados à extinção ou a ínfima expressão.

O Bloco de Esquerda é diferente. Como é diferente do Podemos espanhol. O BE nasceu da fusão de um conjunto de organizações partidárias quase sem expressão popular, mas com bases ideológicas (trotskistas e maoístas) muito vincadas. A mensagem e a imagem do Bloco, aproveitando-se de um movimento também ele de base organizacional partidária (Política XXI), apesar de todas as tentativas, não perdeu nunca a/s matriz/es fundadora/s.

Em Portugal, os movimentos de independentes podem ocasionalmente vingar, sobretudo em eleições locais (embora até nessas as máquinas partidárias tenham uma influência vital), mas o peso dos aparelhos partidários, quais instituições da política nacional, continua a ser decisivo.

O risco de aparecimento de um populista ou oportunista como Donald Trump ou Emmanuel Macron, diga-se o que se disser, é, por isso, bem menor.

Não há mimetismo. Nem vale muito a pena tentar importar para o cenário nacional a crise dos partidos tradicionais na Europa.

A verdade é que em Portugal, o último dos partidos comunistas ortodoxos cometeu a proeza de chegar ao arco da governação 25 anos depois da queda do Muro de Berlim; o CDS foi dos primeiros partidos democratas cristãos europeus a abandonar a via centrista para sobreviver e fazer parte de várias coligações de Governo já nos anos 2000; até o Bloco de Esquerda, partido antissistema, faz hoje parte do sistema e é garante de estabilidade governativa.

Mas, seja como for, PS e PSD, com as suas muitas semelhanças e maiores diferenças, são os dois partidos da alternância no poder, com ou sem necessidade de muletas.

E tudo isso releva para a qualidade da democracia em Portugal.

Um país que se queixa do que tem e do que não tem, mas comemora em uníssono as suas conquistas e vitórias.

Um país que passa a vida a martirizar-se, mas que depois reclama ter os melhores dos melhores.

Um país onde o mesmo povo que aplaudia com lenços na mão e colchas nas janelas a passagem de Américo Thomaz em pé no banco de trás do carro descapotável, semanas depois celebrava nas ruas uma revolução com cravos na ponta das armas.

Portugal também alinha em modas e é vanguardista em muitas coisas, mas no fundo no fundo é dos países mais conservadores e institucionalistas da Europa.